Arquivo do dia: 11/08/2012

TINTOMARA

Tintomara, em desenho original do autor do livro.

Tintomara (Suécia / Dinamarca, 1970, cor, drama). Direção: Hans Abramson. Produção Athena Film / Sam Lomberg. Roteiro: Hans Abramson, a partir da novela de Drottningens juvelsmycke, de Carl Jonas Love Almquist. Fotografia: Mikael Salomon. Edição: Anders Refn. Figurino: Evy Mark. Música: Ulf Björlin. Com Pia Gronning (Tintomara), Britt Ekland (Adolfine), Eva Dahlbeck (Baronesa). Monica Ekman (Amanda), Torben Hundal (Ankarström), Jørgen Kiil (Tio), Bill Öhrström (Clas-Henrik), Hardy Rafn (Padre), Bruno Wintzell (Ferdinand).

Estou contente: decifrei um enigma. Há décadas assisti a um filme na TV que muito me impressionou. Tinha uma fotografia deslumbrante, uma atmosfera de pesadelo, e contava uma história espantosa: uma jovem foragida refugiava-se numa aldeia disfarçada de homem. A garota ganhava, como rapaz, uma beleza exótica e andrógina, que atraía mulheres e rapazes, que a perseguiam com um desejo crescente. Do meio para o fim, quando a garota era descoberta e presa, o drama perdia sua ambiguidade e se tornava mais comum, arrastando-se um pouco até um fim trágico, creio, pois eu já devia, tarde da noite, estar sonhando.

Gostaria tanto de rever esse filme. Mas ele não existe mais em parte alguma. O titulo rondava minha mente e tocava vez por outra como um sino ao longe. Certa vez deparei-me com o titulo Fontamara (1980), de Carlo Lizzani, e acreditei piamente que este era o filme que eu procurava! Mas a data não parecia bater com as lembranças que eu tinha da fotografia do filme (nada revela mais a data de produção de um filme que a textura concreta de suas imagens), e depois que soube qual era a trama de Fontamara, perdi as poucas esperanças que depositava nessa possibilidade.

Ontem, porém, topei com outro titulo que me fez novamente suspeitar tratar-se daquele filme mítico da minha adolescência – Tintomara (1970). O ano coincidia. Precisava agora encontrar uma sinopse. As raras fichas técnicas existentes no mundo on line nada diziam sobre a trama. Parece que nenhum crítico viu o filme. Mas como, pela ficha técnica, eu constatei que ele fora baseado num romance clássico, Drottningens juvelsmycke (A tiara da rainha, 1834), de Carl Jonas Love Almquist, famoso na Suécia, procurei saber sobre esse livro. Lendo uma resenha em sueco topei com a palavra “androginia”. Bingo! Era o filme que eu procurava.

A novela transcorria no ano de 1792. Numa vingança ligada à sua bastardia, filha de uma atriz com um conde, pai biológico do rei Gustavo III da Suécia, a andrógina Tintomara mata este rei e rouba a tiara da rainha para mostrar à sua mãe. É protegida por uma baronesa, que a esconde em sua aldeia, mas, travestida como homem, Tintomara é disputada por dois homens, os nobres Ferdinand e Clas-Henrik, e duas mulheres, Amanda e Adolfine, filhas da baronesa – os quatro se apaixonam pelo belo “rapaz”. Mas Tintomara acaba sendo assassinada por Ferdinand durante um número de dança programado para a Corte, quando o festejo termina em sangue.

Descobri que existe uma ópera baseada no livro, montada com certa regularidade na Suécia. Mas o filme, fantástico, tornou-se invisível, quiçá aguardando sua improvável ressurreição no fundo da estante de um arquivo sueco. Como é terrível o destino desses clássicos bastardos do cinema, mal vistos, perdidos no túnel do tempo, esquecidos pelo mundo inteiro, incluindo os críticos e historiadores. É preciso que um fã se lembre deles. Mas um fã nada pode fazer com essa lembrança, além de deixar registrado num blog que os filmes bastardos que marcaram sua juventude são mais que lembranças de sonhos apenas sonhados – são lembranças de sonhos que realmente existiram.