LUCIANA RIBEIRO ENTREVISTA LUIZ NAZARIO, para o jornal Estado de Minas.
A que você atribui o sucesso dos filmes de terror? E o fascínio dos espectadores pela sensação de medo, frio na barriga e sustos?
O sucesso do terror cinematográfico deve-se a vários fatores: o sistema da globalização, que libera o sadomasoquismo das massas com a perda da dimensão humana do sagrado e a concentração da mesma em religiões totalitárias; a repressão sexual operada por uma realidade de desemprego, miséria, feiúra, doença e morte, em confronto com um imaginário cada vez mais sofisticado, liberado, e mesmo depravado; o desenvolvimento das técnicas cinematográficas que tornam a imagem cada vez mais próxima da ilusão de realidade, tornando os efeitos sempre mais convincentes; a mudança do perfil do público, formado hoje em sua maioria por adolescentes, que buscam no cinema um tipo de gozo perverso, que afasta das salas os espectadores adultos e maduros, que preferem um cinema mais sensível, hoje raro. Quanto ao fascínio do espectador médio pelo medo cinematográfico, é uma catarse necessária para que ele seja devolvido à realidade insuportável com a sensação de que essa não seria tão insuportável quanto a que experimentou na sala escura: ele precisa provar o horror sagrado, absoluto, para retornar à vida medíocre, cinzenta, com a sensação de ter tido emoções intensas, conformando-se à sua existência aborrecida. Os filmes de terror cumprem, na sociedade globalizada, de forma mais discreta, as mesmas funções que desempenham os brinquedos extremistas nos parques de diversão e os esportes radicais como o body-jumping.
Na sua opinião, quais linhas de filmes de terror são mais significativas na história do gênero?
Desde o início do cinema, os filmes de terror sempre abordaram o sobrenatural: o mundo dos mortos, dos fantasmas, dos demônios, dos monstros, dos alienígenas, dos psicopatas. Com o fim do Código de Produção, em 1968, o terror passou a ser cada vez mais explícito, perdendo a poesia, que era sua característica mais interessante. Com essa renovação do gênero nos anos 1970-1980, com a ascensão de diretores de mão pesada, como Tobe Hooper, John Carpenter, Wes Craven, George Romero e Tom Holland, os mundos sobrenaturais começaram a entrecruzar-se, de modo que o cinema de terror passou a abrigar mundos cada vez mais estranhos, como o dos animais demoníacos (Tubarão, Orca), o da tecnologia demoníaca (O elevador assassino, Christine), o dos alienígenas demoníacos (Alien, Predador), o dos psicopatas demoníacos (Jason, Freddy Kruger), o dos psicopatas com tecnologia demoníaca (a família de assassinos de O massacre da serra elétrica, o motorista de Duel), o dos psicopatas mortos com tecnologia demoníaca (o bonequinho Chucky)…
Quais são os diretores, monstros e vilões mais importantes historicamente? Por quê?
Mais que diretores, cinco produtores marcaram o cinema de terror: Carl Laemmle Jr., o produtor dos filmes de monstros clássicos da Universal (O homem que ri, Frankenstein, Drácula, Lobisomem, Múmia); Val Lewton, que criou um terror sugestivo, atmosférico, em clássicos do filme B (como Sangue de pantera); William Castle, pelos gimmicks de terror que inventava para o lançamento de seus ótimos filmes sensacionalistas (ele é homenageado no filme Matinê); Roger Corman, que realizava um terror barato, mas ainda elegante, inteligente e divertido (como O corvo); e Steven Spielberg, que desde os anos 1970 vem renovando o gênero com seus melodramas de horror com efeitos especiais de última geração (Parque dos dinossauros, Guerra dos mundos).
Você identifica algum motivo para este ano ter tido tantos filmes de terror? Viu algum deles?
O último filme de terror que vi e que me impressionou foi O chamado, de Gore Verbinski, que uma amiga minha considerou como sendo apenas um filme vagabundo sobre pessoas assustadas por um vídeo caseiro feito no inferno. Mas vi nele algumas qualidades, para além dos sustos vulgares de toda produção do terror contemporâneo. Antes dele, pelas sugestões de horror que contêm, O sexto sentido e Sinais, de M. Night Shyamalan, impressionaram-me, assim como Os outros, de Alejandro Amenábar. Também gostei de A Bruxa de Blair, de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, pela sensação que ele deixa e que se manifesta bem depois que saímos do cinema, à noite, quando ficamos sozinhos; e de Mimic, de Guillermo del Toro, que elevou ao máximo o horror que quase todo mundo sente diante de uma barata parada sobre seu travesseiro, atrás de sua toalha de rosto, ou voando em sua direção.
Os efeitos especiais cada vez mais sofisticados de hoje em dia melhoram ou empobrecem a nova safra?
Não suporto a edição estilo Seven, que picota a continuidade numa série de fotogramas, sugerindo as coisas mais horripilantes do mundo para forçar, de modo sub-reptício, o terror mental, psicológico. Isso intensifica e ao mesmo tempo empobrece o cinema. O sobrenatural é metafísico, e requer um espaço mental para meditarmos sobre ele; a atual edição dos filmes de terror não concede mais esse espaço, quer preenchê-lo inteiramente com um caleidoscópio sinistro. Por isso prefiro o horror dos anos de 1920-1950, onde o Mal é apenas sugerido, não somos agredidos pelas mutilações, o sangue jorrando, as tripas saltando para fora, os crânios esfacelados, com cérebros derramados no chão, como em Marcas da violência, de David Cronenberg. Ele e David Lynch são grandes diretores, mas também recorrem a esses efeitos para impressionar o público adolescente, que é o que lota as sessões, transforma um filme em sucesso de bilheteria e empurra o cinema cada vez mais para baixo, para o nível – como dizia Guará – “pré-mental”.