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COLECIONANDO CLÁSSICOS

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A cópia de The Painted Veil (O véu pintado, 1934), de Richard Boleslawski, com Greta Garbo, lançado em DVD pela editora COLECIONE CLÁSSICOS (CC), está uma vergonha. Eu tinha uma cópia do filme gravada da TV, que adquiri do simpático SEBO QUERELLE, e queria substitui-la por uma oficial, supostamente melhor.

Mas a cópia lançada pela CC é a mesma cópia da TV, e ainda por cima piorada: copiada da cópia da TV, para tapar o logo do canal que exibia o filme (mais discreto na minha cópia) colocaram um enorme e berrante selo COLECIONE CLÁSSICOS, que avacalha o filme do começo ao fim! Infame! Nem se fosse de graça isso podia ser oferecido ao público, e ainda cobram mais de trinta pilas!

Já a cópia de Susan Lenox (Susan Lenox, 1931), de Robert Z. Leonard, com Greta Garbo e Clark Gable, que a CC lançou está melhor que a vendida pelo SEBO QUERELLE, sem ser ótima. A lamentar, porque o projeto gráfico da COLECIONE CLÁSSICOS é acima da média. Mas não basta uma embalagem bonita e um encarte bem feito, em papel couché, com informações úteis sobre o filme, se a própria cópia não está em condições de ser exibida.

COLECIONE CLÁSSICOS poderia ser uma nova MAGNUM OPUS (que por seu lado descuida da parte gráfica), dedicada aos clássicos, já que a CONTINENTAL e a CLASSICLINE são outras vergonhas. Mas a CC já começou mal. Aliás, já me disseram que todas essas empresas pertencem ao mesmo grupo. Não sei. O que sei é que a VERSÁTIL e a LUME FILMES continuam sendo as únicas empresas mais confiáveis nesse setor.

Em tempo: a cópia de Juno and the Peycock (Juno e o pavão, 1930), de Alfred Hitchcock (filme que, como muito outros da fase inglesa do diretor, estava inédito em DVD no Brasil) pareceu-me razoável, e as de Swing Time (Ritmo louco, 1936), de George Stevens, e de Action in the North Atlantic (Comboio para o Leste, 1943), de Lloyd Bacon, todos lançados pela CC, estão boas. Esperemos que o forfait de The Painted Veil tenha sido uma exceção.

O CADÁVER MAIS BONITO DO MUNDO

James Dean

“Viva rápido, morra jovem e deixe um cadáver bonito”, dizia James Dean, o cadáver mais bonito do mundo, morto no esplendor de seus 24 anos de idade num acidente automobilístico – revivido em Crash (Crash – estranhos prazeres, Canadá, 1996, 100’, cor), de David Cronenberg. A frase, na verdade, surgiu na boca do personagem Nick Romano, interpretado por John Derek, no filme Knock on Any Door (EUA, 1949, 100’, p&b, noir), de Nicholas Ray: “Live fast, die young, leave a good-looking corpse.” Anos depois, Ray dirigiu Dean e pode ter comentando com ele a frase de seu filme, que o galã adotou para si e tornou famosa no mundo inteiro. Ele não apenas adotou a frase como um lema, como seguiu esse lema à risca, até as últimas conseqüências. 

Muitos astros viveram loucamente. Já James Dean foi um meteoro que se arremessou no espaço com energia sobre-humana, queimando a toda velocidade até se espatifar tragicamente. Seus olhinhos azuis empapuçados escondiam, sob seu charme, uma vida de trabalho incessante. Numa carreira fulminante que se estendeu por apenas cinco anos, Jimmy deixou ao mundo um legado impressionante: após interpretar 38 peças de teleteatro – ao ritmo de oito pequenos e médios papéis por ano – ele estrelou consecutivamente três filmes que se tornaram clássicos e imortalizaram sua imagem como um dos maiores ícones do século XX: East of Eden (Vidas amargas, EUA, 1955, 115’, cor, drama), de Elia Kazan, com Julie Harris e Raymond Massey; Rebel Without a Cause (Juventude transviada, EUA, 1955, 111’, cor, drama), de Nicholas Ray, com Natalie Wood e Sal Mineo; e Giant (Assim caminha a humanidade, EUA, 1956, 201’, cor, drama), de George Stevens, com Rock Hudson e Elizabeth Taylor. 

James Dean supostamente namorou Pier Angeli, Natalie Wood, Ursula Andress, Terry Moore. Mas até onde ele chegou com essas estrelas ninguém sabe. Em Boulevard of Broken Dreams, Paul Alexander garante que Jimmy foi um sex-symbol secretamente homossexual, iniciado por seu professor James De Weerd. Desde então teria colecionado namorados, sendo o mais famoso deles Sal Mineo, cujo personagem transtornado em Rebel Without a Cause fez transparecer sua paixão pelo amigo no filme vivido pelo amigo na vida real. A crer no compêndio de fofocas Hollywood Babylon, de Kenneth Anger, Jimmy seria adepto do sadomasoquismo, sentindo prazer em ser possuído com violência por outros homens e queimado com cigarros, sendo por isso conhecido no submundo gay hollywoodiano como “homem-cinzeiro”. O que há de verdade nessas lendas nunca saberemos. 

Embora as fantasias homoeróticas façam parte do mito James Dean, elas não são abordadas nos diversos documentários que celebram esse mito, como The James Dean Story (EUA, 1957, 81′, p&b, doc), de Robert Altman e George W. George; James Dean Remembered (EUA, 1974, cor, doc, TV), de Jack Halley Jr.; Forever James Dean (EUA, 1988, 60’, cor e p&b, doc), de Ara Chekmayan; James Dean – A portrait (EUA, 1996, 60’, cor, doc, TV), de Gary Legon; James Dean: Forever Young (EUA, 2005, 88’, cor e p&b, doc), de Michael J. Sheridan; nem nas cinebiografias, como James Dean (A história de James Dean, 1976, 60’, cor, cinebiografia, TV), de Robert Butler, com Stephen McHattie; James Dean: Race with Destiny (EUA, 1997, 101’, cor, cinebiografia, TV), de Mardi Rustam, com Casper Van Dien; e James Dean (EUA, 2001, 120’, cor, cinebiografia, TV), de Mark Rydell, com James Franco; nem mesmo nas suas evocações dramáticas, como Come Back to the Five and Dime, Jimmy Dean, Jimmy Dean (James Dean – O mito sobrevive, EUA, 1982, 109’, cor, drama), de Robert Altman.

Em 1992 acompanhei, em Paris, no Centre Beaubourg, a retrospectiva da Warner, com ampla retrospectiva – da qual pude ver A Midsummer Nigth’s Dream, Confessions of a Nazi Spy, Dark Victory e All About Eve (só em Paris a história do cinema está em cartaz em cópias novas) – e exposição de itens de produções do estúdio: vi ali os Oscars dados a Casablanca, a My Fair Lady e a The Jazz Singer; a capa de chuva usada por Humphrey Bogart e o vestido de Lauren Bacall em The Big Sleep; a misteriosa estatueta de The Maltese Falcon; os chapéus de cowboy de John Wayne; o chapéu cinza de gangster de Edward G. Robinson em The Little Cesar; os de Gary Cooper em Sargent York e de Bogart em The Treasure of the Sierra Madre; o passaporte de Ingrid Bergman e a pianola tocada em Casablanca; o telefone público de Dial M for Murder; o diadema de Ingrid Bergman em Under Capricorn; os acessórios de Bette Davis em Dark Victory. Havia outros vestidos: o de Davis em Now Voyager e seu vermelho de baile em Jezebel; o de Patricia Neal em The Fountainhead; o vermelho de Nathalie Wood  em Rebel Without a Cause, etc. Mas de todos esses objetos-fetiches, o mais carregado de mana, o mais hiper-simbólico, era o jeans que James Dean consagrou no filme de Ray: constatei então como o ator era pequenino – pelo tamanho da calça, era quase um anão!

A beleza de James Dean não estava, pois, num corpo másculo e bem modelado, nem na perfeição de seus traços, que ele gostava de deformar em esgares. Ela emanava de seus movimentos felinos e de suas mímicas que exprimiam íntimas carências e solidões: a fotogenia, que todo astro e toda estrela possuem, gerava nele, e através dele, fantasias sexuais desconectadas das realidades sexuais previamente catalogadas. Belo em qualquer situação, James Dean deve ter sido fotografado todos os dias de sua vida de adulto – desde a famosa foto não oficial (no livro de Alexander) em que se masturba jovenzinho em cima de uma árvore. Tal a quantidade de imagens que nos chegaram do ator, seja em seus diversos trabalhos, seja em seus momentos de lazer: cursando o Actor’s Studio; praticando balé descalço; gravando as telepeças nos estúdios de TV; atuando nos palcos na adaptação da novela O imoralista, de André Gide; relaxando nos sets de filmagem de seus três filmes; sentado dentro de um caixão; passeando na Broadway, em Nova York; acompanhando Pier Angeli em festas e recepções; lendo em seu estúdio de Upper West Side; tocando tuba para os porcos no sítio de Fairmount; correndo em seu conversível prateado – um dos 30 Porsches de alumínio fabricados no mundo – correndo, correndo, feliz e contente, para a morte…