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O FIM DA CRÍTICA

O fabuloso personagem Ego, o crítico de "Ratatouille", criado por Jason Deamer, da Pixar.

Texto publicado no I Caderno de Críticas Cinematográficas 2008/2009/2010. Salvador: Dimas / Fundação Cultural do Estado da Bahia / Secretaria de Cultura da Bahia, 2010, p. 62-75. [Catálogo].

A crítica de cinema conheceu seu auge a partir dos anos de 1950, quando os críticos da Cahiers du Cinéma forjaram a “teoria do autor”, responsabilizando o diretor de um filme pela qualidade artística da obra cinematográfica. O autor-cineasta imprimiria seu rosto na película, e nesse rosto estaria estampada toda sua filosofia de vida, toda sua visão de mundo. Cada filme do cineasta-artista descortinaria uma faceta da sua Weltanschauung e o conjunto deles desenharia um quadro perfeito. Milhões de cinéfilos puseram-se, desde então, a descobrir quadros ocultos na montanha de películas, tentando juntar as peças do quebra-cabeça autoral, reunindo o maior número possível de filmes de um mesmo diretor para encontrar uma linha de estilo, interpretando cada novo filme do cineasta eleito segundo aquela linha invisível.

A situação faz lembrar a cena incrível de Despair (Despair – Uma viagem para a luz, 1978), de Rainer Werner Fassbinder, na qual Hermann Hermann (Dirk Bogarde) explica à esposa Lydia (Andréa Ferréol) que os gêmeos de um filme são interpretados pelo mesmo ator, estando o truque na junção de duas imagens, separadas por uma linha. A inquietação da gorda esposa só aumenta com a explicação: “Uma linha?! Mas eu não estou vendo nenhuma linha! Onde está a linha? Onde está? Onde?!”, e ela arfa, gemendo, angustiada por não enxergar a bendita linha invisível. Assim também o “autor” de cinema: sua linha é invisível, ou quase inexistente.

O cineasta-artista não possui como o escritor e o pintor o domínio completo de seus meios de produção, não “escreve” suas imagens com a câmara simplesmente, como imaginava a teoria do cinéma stylo de Alexandre Astruc, ou a antiga tese de “um filme – um autor” de Frank Capra (que antecipou de três décadas a politique des auteurs), e sim com a realidade, como acertou Pier Paolo Pasolini em sua teoria do cinema como língua escrita da ação.

Mesmo escolhendo seu elenco, escrevendo seu roteiro, produzindo e dirigindo seu filme, o cineasta-artista não controla a realidade da qual seu filme é feito, e com a qual ele tenta desenhar sua “linha”. A realidade escapa pelas bordas, e os acidentes que ela comporta são parte indissociável do relevo do filme tanto quanto do rosto que o cineasta tenta imprimir nele. Esse rosto é feito de outros rostos, de objetos, estampas, tons, luminosidades, paisagens que ele não criou, mas teve de incluir em seu filme, e que não pode, por qualquer razão, dirigir, ou pode dirigir apenas até certo ponto. Por isso Hitchcock invejava Disney, um diretor que podia “apagar” seus atores caso não gostasse de suas “atuações”. Neste sentido, o animador é muito mais facilmente autor que o diretor de cinema: aquele controla não apenas seus “atores” como todo o universo das “coisas” que compõem suas imagens.

A “teoria do autor” foi, é claro, contestada. Tanto por Gore Vidal, no ensaio “Quem faz o filme?”, onde a sardinha é puxada para o roteirista, quanto por Thomas Schatz, em O gênio do sistema, que recupera o papel dos grandes produtores dos estúdios de Hollywood na criação do estilo de um filme, pelo menos na fase áurea do star-system. O que se pode concluir depois de todas as reivindicações de autoria de um filme é o que sempre se soube: a obra cinematográfica é uma confluência de ingerências de todos os envolvidos no processo de sua criação: do diretor, do produtor, do roteirista, e também do fotógrafo, do elenco, do compositor, do sonoplasta, etc. A autoria de um filme é indefinível. A linha só se torna mais visível quando os diretores se tornam os protagonistas de seus filmes – no caso de Charles Chaplin ou de Orson Welles; ou quando eles os assinam com seus próprios corpos, no caso de Alfred Hitchcock, através de suas breves aparições, ou de Fritz Lang, que introduzia sempre num dos planos de seus filmes a sua própria mão.

O Neo-realismo quebrou as paredes dos estúdios, ou, antes, aproveitou que elas tinham sido quebradas nos bombardeios da Segunda Guerra, e injetou uma dose quase fatal de realismo no cinema. Mas foram os cineastas da Nouvelle Vague que abriram as comportas da realidade, encharcando o cinema, que perdeu, desde então, e para sempre, sua consistência. Como não conseguiam controlar a realidade como os gênios da sétima arte – de Méliès a Griffith, de Stroheim a Sternberg, de Murnau a Borzage, de Brown a Capra, de Hitchcock a Powell, de Renoir a Tati – que se empenhavam em construir filmes com plot, eles aboliram o plot, abdicando do domínio absoluto da narrativa. E era ali, justamente, onde se concentrava toda a arte do metteur-em-scène.

Um filme com plot é construído como um relógio, um mecanismo de precisão, sem momentos mortos nem contemplação beócia da realidade, sem cenas insignificantes nem improvisações que permitiam infiltrações de realidade na engrenagem azeitada da narrativa. Compare-se a corda esticada do mecanismo perfeito de Rope (Festim diabólico, 1948), de Alfred Hitchcock, com a trama esgarçada em Les 400 Coups (Os incompreendidos, 1959), de François Truffaut. E pensar que foi para esse enfant sauvage que o mestre explicou que seus filmes não eram “pedaços da vida”, ou seja, filmes sem plot (como os da Nouvelle Vague…), e sim “pedaços de torta”, isto é, filmes com plot.

Com o triunfo da realidade sobre a arte do cinema, surgiram no cinema dos grandes circuitos as narrativas errantes como as dos filmes de Michelangelo Antonioni, ou até descosturadas, como as de Glauber Rocha. No cinema experimental, invisível, de fundo de quintal, elas sempre haviam existido, mas agora se tornavam dominantes naquele novo cinema que Pier Paolo Pasolini chamará de “cinema de poesia”, cada vez mais popular entre as elites intelectuais do neocapitalismo. Todo apaixonado por cinema, todo cinéfilo que encontra outro em seu caminho começa a trocar figurinhas, assumindo o amor por esse e ou aquele filme: todos estão de acordo com suas preferências, que são unânimes, até os anos de 1950. A partir da década de 1960, as divergências sobre as preferências começam a surgir, e só vão se agravando, a ponto de, no fim da conversa, sobre os filmes atuais preferidos de cada um, as diferenças tornam o diálogo impossível, e cada cinéfilo volta solitário para seu canto, lambendo as feridas, maldizendo o apodrecido gosto do outro.

Foi no caldo dessa cultura cinematográfica em decadência que surgiu no Brasil aquela que talvez tenha sido a última geração dos críticos de cinema – na qual modestamente me inseri. Não fui atraído, em primeiro lugar, pela grande arte, mas pelo Kitsch. Criança, eu me deslumbrava com os shows de Hollywood on Ice. Lembro-me especialmente de um número de patinação em cujo grand finale as dançarinas abriam seus vestidos de gala, transformando-os em barcas negras ornadas de lampiões chineses, dentro das quais deslizavam sobre o gelo. Ainda mais forte foi a impressão que me deixou um espetáculo do grupo tcheco Lanterna Magika, onde os atores entravam e saíam da tela, com a maior naturalidade – no mais espantoso desses números, uma cabeça cortada num filme projetado na tela caía pesadamente sobre o palco, rolando diante dos olhos atônitos dos espectadores. E ainda sentia um arrepio de terror assistindo às transformações da Monga, a mulher-gorila, no Grande Circo Orpheu.

Quando passava as férias escolares no interior, em Mococa, ia com meus primos ao casarão de minha avó onde havia um quarto com uma grande janela de madeira. Através de suas frestas, as sombras da rua eram filtradas e projetadas no teto, de forma que eu e meus primos, deitados na cama, assistíamos ao “teto animado”, observando, nessa “tela” branca de cal, automóveis e pedestres refletidos em “sombras chinesas”, coloridas e perfeitas, como num filme de Lotte Reiniger. Esse pequeno “cinema” familiar inspirou-me, mais tarde, a recortar figuras de gibis e colar em uma tela de pano presa a uma caixa de sapatos, para mover suas figuras através da chama de uma vela.

Ainda me lembro do primeiro filme que vi no cinema. Minha mãe levara-me ao médico, para que ele pincelasse minha garganta. Depois, fomos ver Um dia, um gato (Tchecoslováquia, 1963), que havia conquistado o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro contando a história de um gato que usava óculos, capaz de ver o verdadeiro caráter das pessoas através das lentes: cada pessoa tinha uma cor de acordo com o sentimento dominante em sua personalidade: os ambiciosos eram azuis; os ciumentos, verdes; os invejosos, amarelos; os apaixonados, vermelhos, etc. Foi o primeiro filme que vi no cinema, e fiquei encantando com o uso mágico das cores. Voltando para casa, num enorme táxi Ford, eu não parava de falar, entusiasmado, do uso mágico das cores naquele conto de fadas moderno: nem sentia mais a dor de garganta. Logo acompanhei com interesse uma série de programas realizados pelo crítico A. Carvalhaes para a TV Cultura, sobre os grandes diretores do cinema, passando a perseguir aquelas imagens de carne e prata cuja beleza plástica me arrebatava: eu me tornei então assíduo freqüentador das sessões de cinema dos museus de arte (MASP, MAM, MAC, MLS), da Sociedade Amigos da Cinemateca e do cineclube da FAAP e da GV. Não perdia as reprises do Bijou, as maratonas do Colégio Equipe, as programações de arte dos cines Coral, Marachá, Cinema Um e Belas Artes.

Via quase tudo das salas comerciais. Mas o que elas me ofereciam parecia-me bem medíocre comparado aos tesouros que eu descobria nos porões da cidade: os documentários de Bert Haanstra, que filmou os moinhos, o vento e a chuva como nenhum outro cineasta; os filmes abstratos de Férnand Léger, Man Ray, Marcel Duchamp, Hans Richter e Walter Ruttmann; as luzes e sombras nórdicas de Urban Gad, Mauritz Stiller, Victor Sjöström, Carl Dreyer e Benjamin Christensen; os manifestos surrealistas de Luis Buñuel; os documentários poéticos de Robert Flaherty; os ciclos de vida que eram os filmes japoneses de Yasujiro Ozu, Akira Kurorawa, Kenji Mizoguchi, Mikio Naruse, Kaneto Shindo, Kon Ichikawa, Keisuke Kinoshita e Heinosuke Gosho.

Vivi então, nos cineclubes e nos cinemas comerciais de São Paulo (que naqueles anos sempre dedicavam parte de suas programações às reprises dos clássicos em cópias novas), experiências estéticas únicas, jamais repetidas, como as de ver na tela grande Jigokumon (Os portais do inferno, 1953), de Teinosuke Kinugasa, com uma das mais belas fotografias a cores da história do cinema; as integrais de Charles Chaplin, de Buster Keaton, dos Irmãos Marx; uma mostra de Rodolfo Valentino, outra de Mae West, outra ainda de W. C. Fields; retrospectivas de Greta Garbo, de Marlene Dietrich, de Bette Davis…

E pensar que hoje os clássicos não são reprisados nem mesmo nos canais da TV aberta…  Essa supressão da História do Cinema (e de toda a História) nas mídias contemporâneas faz com que o cinema seja consumido sem termos de comparação pelas novas gerações. Certa vez meu personal trainer, que gosta de cinema, disse-me ter visto um “filme velho” do catálogo de sua locadora: fiquei imaginando o jovem descobrindo, encantado, Gone with the Wind (E o vento levou, 1939), de Victor Fleming; Casablanca (Casablanca, 1943), de Michael Curtiz, ou Gilda (Gilda, 1946), de Charles Vidor Não, nada disso, ele tinha visto o “velho” The Sixth Sense (O sexto sentido, 1999), de M. Night Shyamalan…

Na idade dele, eu, na Aliança Francesa da Rua General Jardim, onde fazia meus cursos de “Nancy”, descobria encantado o realismo poético de René Clair e Marcel Carné, a poesia cinematográfica de Jean Vigo e Jean Cocteau, as comédias de Marc Allégret e Marcel Pagnol, os filmes difíceis de Marguerite Duras e Alain Robbe-Grillet. No Instituto Goethe, seguia retrospectivas do cinema mudo alemão e testemunhava o nascimento do Novo Cinema Alemão: toda noite um novo Rainer Fassbinder, um novo Werner Herzog, um novo Wim Wenders, um novo Daniel Schmid, etc. Tampouco perdia as palestras dos artistas convidados e, ao longo dos anos, conheci o dramaturgo Heinar Kipphardt, os cineastas Werner Herzog, Peter Lilienthal, Werner Schroeter, Peter Schneider, Jutta Bückner, Christian Ziewer, Peter Schumann, Rosa von Prauheim, os críticos Mathias Riedel e Inge Regenhardt, o ator Peter Kern.

Em casa, folheava meu guia introdutório: um pocket‑book de Roger Manvell sobre a história do cinema com uma coleção de fotos em preto e branco: aqueles pequenos stills aveludados, belos como nunca mais os vi em nenhuma outra publicação de cinema, transportavam-me para outro mundo. Uma das portas de acesso a esse mundo era a deliciosa coluna dominical “Indicações da Semana”, do crítico Rubem Biáfora n’O Estado de S. Paulo (assumida por Carlos Motta a partir de 1983), com as resenhas dos filmes que entravam em cartaz a cada semana na cidade. Eu queria mergulhar no passado das imagens e desdobrar-me em seu presente, descobrindo tesouros esquecidos e novidades despercebidas: impus-me a missão de ver tudo, de nada deixar escapar.

Comecei a “ler cinema” através das crônicas de Anatol Rosenfeld, Paulo Emílio Salles Gomes, J. C. Ismael, Almeida Salles, Maurício Gomes Leite e outros críticos no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, depois substituído pelo Suplemento Cultural. Eram ensaios com conteúdo, carregados de idéias. As gerações seguintes foram privadas também dessa formação, pois os jornais reduziram o espaço da crítica ensaística, preenchendo-o com resenhas de consumo feitas por “jornalistas de cultura”, associados às distribuidoras de cinema, que lhes enviam pacotes de press-releases aonde tudo já vem mastigado. Esses jornalistas são seduzidos com cafés da manhã e souvenirs para que divulguem – se possível sob uma luz positiva, com críticas “adoçadas” por regalias medíocres – os filmes assim promovidos.

Minha graduação em cinema veio com um seminário espantoso sobre o cinema de propaganda nazista apresentado sem muito conhecimento do tema pelo crítico e professor Jean-Claude Bernardet no Instituto Goethe. Não as apresentações, mas os próprios filmes abriram-me os olhos para a dimensão política do mundo. Depois, foi com enorme prazer que segui uma retrospectiva bastante completa de David Griffith, apresentada pelo também crítico e professor Ismail Xavier no auditório da Folha, com acompanhamento de piano ao vivo. Durante um bom mês, todas as noites, não perdi uma sessão, espantado com a genialidade do pioneiro americano e com a frieza do apresentador contemporâneo, incapaz de transmitir seu suposto interesse pelo objeto da pequena biografia que publicara.

Já minha pós-graduação cinéfila deveu-se a uma mostra excepcional – “Os Cem Melhores Filmes da História do Cinema”, segundo votação da crítica internacional – organizada no MASP – creio que em 1974 – pelo misterioso A. Carvalhaes, que pouco publicou (nunca o li), mas acabou sendo, por essa e outras mostras que organizou no museu, o crítico que mais me influenciou. Durante cem noites, sem faltar a uma sessão, assisti às maiores obras-primas do cinema em cópias restauradas. Não guardei, nem jamais encontrei o programa da mostra, nem mesmo na Internet, onde hoje achamos quase tudo, mas lembro-me com uns 80% de certeza dos títulos exibidos:

  1. The Birth of a Nation (O nascimento de uma nação, 1915), de David Griffith.
  2. Intolerance (Intolerância, 1916), de David Griffith.
  3. Broken Blossoms (O lírio partido, 1919), de David Griffith.
  4. Das Cabinet des Dr. Caligari (O gabinete do Dr. Caligari, 1920), de Robert Wiene.
  5. The 4 Horsemen of the Apocalypse (Os 4 cavaleiros do Apocalipse, 1921), de Rex Ingram.
  6. Nanook of the North (Nanuk, o esquimó, 1922), de Robert Flaherty.
  7. Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (Nosferatu, 1922), de Friedrich Wilhelm Murnau.
  8. Greed (Ouro e maldição, 1924), de Erich von Stroheim.
  9. The Iron Horse (O cavalo de ferro, 1924), de John Ford.
  10. Gösta Berlings saga (A saga de Gösta Berlings, 1924), de Mauritz Stiller.
  11. Der letzte Mann (O último homem / A última gargalhada, 1924), de Friedrich Murnau.
  12. Die freudlose Gasse (A rua sem alegria, 1925), de Georg Wilhelm Pabst.
  13. Bronenosets Potyomkin (O encouraçado Potenkim, 1925), de Sergei Eisenstein.
  14. The Gold Rush (Em busca do ouro, 1925), de Charles Chaplin.
  15. Po zakonu (Dura Lex, 1926), de Lev Kuleshov.
  16. The General (A General, 1926), de Clyde Bruckman e Buster Keaton.
  17. Sunrise: A Song of Two Humans (Aurora, 1927), de Friedrich Murnau.
  18. Napoléon (Napoleão, 1927), de Abel Gance.
  19. The Crowd (A turba, 1928), de King Vidor.
  20. The Circus (O circo, 1928), de Charles Chaplin.
  21. The Wind (O vento, 1928), de Victor Sjöström.
  22. La passion de Jeanne d’Arc (A paixão de Joana d’Arc, 1928), de Carl Theodor Dreyer.
  23. Die Büchse der Pandora (Lulu / A caixa de Pandora, 1929), de Georg Wilhelm Pabst.
  24. Un chien andalou (O cão andaluz, 1929), de Luis Buñuel.
  25. L’âge d’or (A idade de ouro, 1930), de Luis Buñuel.
  26. Der blaue Engel (O anjo azul. 1930), de Joseph Von Sternberg.
  27. Tabu: A Story of the South Seas (Tabu, 1931), de Friedrich Murnau.
  28. M (M, o vampiro de Düsseldorf, 1931), de Fritz Lang.
  29. City Lights (Luzes da cidade, 1931), de Charles Chaplin.
  30. À nous la liberte (A nós a liberdade, 1931), de René Clair.
  31. Freaks (Monstros, 1932), de Tod Browning.
  32. King Kong (King Kong, 1933), de Ernest Shoedsack e Merian Cooper.
  33. Zéro de conduite: Jeunes diables au collège (Zero de conduta, 1933), de Jean Vigo.
  34. Duck Soup (Diabo a quatro, 1933), de Leo McCarey.
  35. Man of Aran (O homem de Aran, 1934), de Robert Flaherty.
  36. L’Atalante (O Atalante, 1934), de Jean Vigo.
  37. It Happened One Night (Aconteceu naquela noite, 1934), de Frank Capra.
  38. The Informer (O informante, 1935), de John Ford.
  39. Triumph des Willens (O triunfo da vontade, 1935), de Leni Riefenstahl.
  40. Mr. Deeds Goes to Town (O galante Mr. Deeds, 1936), de Frank Capra.
  41. Modern Times (Tempos modernos, 1936), de Charles Chaplin.
  42. Snow White and the Seven Dwarfs (Branca de Neve e os Sete Anões, 1937), de Walt Disney.
  43. La Grande Illusion (A grande ilusão, 1937), de Jean Renoir.
  44. Lost Horizon (Horizonte perdido, 1937), de Frank Capra.
  45. The Lady Vanishes (A dama oculta, 1938), de Alfred Hitchcock.
  46. Bringing Up Baby (Levada da breca, 1938), de Howard Hawks.
  47. You Can’t Take It with You (Do mundo nada se leva, 1938), de Frank Capra.
  48. La Règle du jeu (A regra do jogo, 1939), de Jean Renoir.
  49. Gone with the Wind (E o vento levou, 1939), de Victor Fleming.
  50. Le jour se lève (Trágico amanhecer, 1939), de Marcel Carné.
  51. Stagecoach (No tempo das diligências, 1939), de John Ford.
  52. The Wizard of Oz (O mágico de Oz, 1939), de Victor Fleming.
  53. Mr. Smith Goes to Washington (A mulher faz o homem, 1939), de Frank Capra.
  54. The 39 Steps (Os 39 degraus, 1935), de Alfred Hitchcock.
  55. A Night at the Opera (Uma noite na ópera, 1935), de Sam Wood.
  56. The Grapes of Wrath (As vinhas da ira, 1940), de John Ford.
  57. The Great Dictator (O grande ditador, 1940), de Charles Chaplin.
  58. How Green Was My Valley (Como era verde meu vale, 1941), de Jonh Ford.
  59. The Maltese Falcon (Relíquia macabra, 1941), de John Huston.
  60. Citizen Kane (Cidadão Kane, 1941), de Orson Welles.
  61. Meet John Doe (Meu adorável vagabundo, 1941), de Frank Capra.
  62. Casablanca (Casablanca, 1942), de Michael Curtiz.
  63. 63. Ivan Groznyy I (Ivã, o Terrível Parte I, 1944), de Sergei Eisenstein.
  64. Les Enfants du Paradis (O Boulevard do Crime, 1945), de Marcel Carné.
  65. Brief Encounter (Desencanto, 1945), de David Lean.
  66. Roma, città aperta (Roma, cidade aberta, 1945), de Roberto Rossellini.
  67. Duel in the Sun (Duelo ao sol, 1946), de King Vidor.
  68. Great Expectations (Grandes esperanças, 1946), de David Lean.
  69. La Belle et la Bête (A Bela e a Fera, 1946), de Jean Cocteau.
  70. Monsieur Verdoux (Monsieur Verdoux, 1947), de Charles Chaplin.
  71. Odd Man Out (O condenado, 1947), de Carol Reed.
  72. Louisiana Story (A História de Louisiana, 1948), de Robert Flaherty.
  73. Ladri di biciclette (Ladrão de bicicleta, 1948), de Vittorio De Sica.
  74. The Treasure of the Sierra Madre (O tesouro de Sierra Madre, 1948), de John Huston.
  75. Oliver Twist (Oliver Twist, 1948), de David Lean.
  76. The Third Man (O terceiro homem, 1949), de Carol Reed.
  77. Sunset Blvd. (Crepúsculo dos deuses, 1950), de Billy Wilder.
  78. Rashômon (Rashomon, 1950), de Akira Kurosawa.
  79. Miracolo a Milano (Milagre em Milão, 1951), de Vittorio De Sica.
  80. Umberto D. (Umberto D., 1952), de Vittorio De Sica.
  81. Limelight (Luzes da ribalta, 1952), de Charles Chaplin.
  82. Singin’ in the Rain (Cantando na chuva, 1952), de Stanley Donen e Gene Kelly.
  83. High Noon (Matar ou morrer, 1952), de Fred Zinnemann.
  84. Ikiru (Viver, 1952), de Akira Kurosawa.
  85. Shane (Os brutos também amam, 1953), de George Stevens.
  86. Ugetsu monogatari (Contos da lua vaga depois da chuva, 1953), de Kenji Mizoguchi.
  87. Gycklarnas afton (Noites de circo, 1953), de Ingmar Bergman.
  88. The Night of the Hunter (O mensageiro do diabo, 1955), de Charles Laughton.
  89. The Searchers (Rastros de ódio, 1956), de John Ford.
  90. Summertime (Quando o coração floresce, 1955), de David Lean.
  91. Smultronstället (Morangos silvestres, 1957), de Ingmar Bergman.
  92. Det sjunde inseglet (O sétimo selo, 1957), de Ingmar Bergman.
  93. Ivan Groznyy II: Boyarsky zagovor (Ivã, o Terrível Parte II, 1958), de Sergei Eisenstein.
  94. Les amants (Os amantes, 1958), de Louis Malle.
  95. Some Like it Hot (Quanto mais quente melhor, 1959), de Billy Wilder.
  96. Hiroshima mon amour (Hiroshima meu amor, 1959), de Alain Resnais.
  97. L’année dernière à Marienbad (O ano passado em Marienbad, 1961), de Alain Resnais.
  98. Viridiana (Viridiana, 1961), de Luis Buñuel.
  99. 8 ½ (Fellini 8 ½, 1963), de Federico Fellini.
  100. Dr. Strangelove (Dr. Fantástico, 1964), de Stanley Kubrick.

Às vezes sentava ao meu lado, no Grande Auditório do MASP, o historiador marxista Edgar Carone, que acabou por me abordar, curioso, ao testemunhar minha assiduidade – não era certamente um programa que obcecasse qualquer jovem, mesmo naqueles tempos. Após cada sessão, íamos a um café comentar o filme; eu gostava de ouvir suas explanações, com as quais eu raramente concordava. Mais tarde, ele se tornou meu professor de História do Brasil na USP e revelou-se bem diverso daquele “tiozinho” bonachão das sessões noturnas dos clássicos do cinema: chegou a reprovar minha classe inteira, levando a turma, revoltada, a entrar em greve contra sua didática autoritária.

Às vezes me pergunto se aquela mostra teve mesmo cem dias, se vi realmente cem maravilhas no MASP, naquela época, noite após noite. Hoje um evento cinematográfico dessa magnitude me parece até impossível de ter acontecido: minha memória deve estar me pregando alguma peça, dourando o passado… Mas não: os cinéfilos de hoje não têm idéia do que perderam com o fim dos cinemas de rua, dos cineclubes, da cinefilia, do cinema e da crítica, na era dos multiplex, das videolocadoras, dos downloads, dos blockbusters e dos blogueiros.

Meu sonho então era ser cineasta, mas depois de ler as memórias de Simone de Beauvoir preferi ser escritor. Por força das circunstâncias tornei-me escritor de cinema. A primeira edição de O cinema industrial americano, financiado por uma tia minha que intuiu que se eu não publicasse alguma coisa eu enlouqueceria, esgotou rapidamente. Eu estudava História à tarde e Filosofia à noite com colegas que, mais práticos, cursavam História à tarde e Jornalismo à noite, como José Geraldo Couto; ou Filosofia à noite e Jornalismo à tarde, como Caio Túlio Costa, Luiz Renato Martins, Matinas Suzuki e Rodrigo Naves. Eles puderam desenvolver uma carreia na grande imprensa, graças à lei de reserva de mercado que exigia diploma de jornalista para trabalhar na imprensa, enquanto eu fiquei limitado às míseras colaborações.

Foi Caio Túlio quem primeiro me convidou para escrever resenhas de livros no jornal que ele então editada, o Leia Livros, da Brasiliense, a editora de Caio Graco. Nesse pequeno jornal que teve na época sua importância, sendo praticamente o único dedicado a lançamentos de livros, fui editado sucessivamente por Túlio, Luiz Schwartz e Caio Fernando Abreu.

Nesse período, o Departamento de Cinema do MASP era dirigido pelo crítico Leon Cakoff, que organizou ali as primeiras edições do Festival Internacional de Cinema. Foram as melhores edições porque pequenas, localizadas num só espaço, para um público ainda reduzido de cinéfilos (não de culturetes) exibindo filmes selecionados (não ainda qualquer coisa) e enfrentando corajosamente a ditadura com mandatos de segurança impetrados para apresentar os filmes diretamente ao público sem a obrigatória censura prévia. Cobri , algumas dessas primeiras mostras para a Folha de S. Paulo, juntamente com outro crítico free-lancer: o impagável Fernando Naporano, que se dedicou à crítica musical por longos anos em Londres, colaborando com revistas inglesas, hoje esquecido pelas mídias brasileiras, vivendo entre milhares de discos raros colecionados com paixão, que fez transportar em dezenas de caixotes de São Paulo para Londres, de Londres para São Paulo e de São Paulo para Curitiba…

Quando Caio Túlio Costa galgou o posto de secretário de redação da Folha de S. Paulo, ele me lançou ali como comentarista de TV. Aceitei o desafio como uma forma de exercer um novo discurso crítico e creio que minhas críticas de TV foram pioneiras no gênero. Na época, havia apenas a elegante escritora Helena Silveira escrevendo textos que eu definiria como “crônicas sociais” da TV. Já meus artigos estraçalhavam a programação de todas as emissoras. “Você não vai destruir a TV brasileira com um artigo de jornal”, advertia-me Caio Túlio na redação. “Com um, não, com vários…”, eu respondia esperançoso.

Contudo, a despeito da boa repercussão de minha coluna de “Crítica de TV”, que logo se tornou uma das mais lidas da Ilustrada, quando a Folha entrou em pool com a Bandeirantes fui advertido por Caio, a mando de seus superiores, de que eu não poderia mais detratar os programas daquela emissora. Se eu não podia falar mal apenas da Bandeirantes, decidi não falar mais de seus programas: a Folha acionou então o cineasta Orlando Senna para comentar os programas da Bandeirantes. Suas resenhas eram publicadas em alternância com minhas críticas. Pouco a pouco, as resenhas do cineasta tornaram-se mais freqüentes, até que, semanas depois, só ele escrevia na “minha” coluna de “Crítica de TV”, sempre elogiando os programas da TV Bandeirantes…

Prossegui com minhas colaborações no Diário do Grande ABC, por indicação do crítico e cineclubista Heitor Capuzzo, e em diversas revistas de estilo: HV, que os estudiosos de comunicação consideram a primeira das revistas modernas brasileiras, editada por Ricardo Soares; A-Z, por Caio Fernando Abreu; Atlante, por William Guimarães Gastaldo; Vogue e Elle, por Andrea Carta. Na revista Set, editada por Eugênio Bucci e, depois, por Isabella Boscov, eu escrevia resenhas de filmes e assinava a coluna “Tempos Modernos”, sobre o cinema mudo. Mas logo a revista adequou-se ao mercado, eliminando minha coluna, entre outras, reduzindo o tamanho das resenhas a dez ou cinco linhas!

Durante quase quatro anos fui crítico de cinema da revista IstoÉ, tendo como editores Geraldo Mayrink, Marília Pacheco Fiorillo e Humberto Werneck. Assistia às pré-estréias da meia-noite, às sessões matutinas com cafés da manhã, às sessões para a crítica nas pequenas cabines das empresas; usufruía de uma entrada permanente de cinema e fui um dos poucos críticos convidados pela Fox Films e pela Royal Air Marrocos para visitar, numa inusitada promoção, as locações do filme The Jewel of the Nile (As jóias do Nilo, 1985), de Lewis Teague. [Cf. No Marrocos, com a crítica].

Em 1986, Heitor Capuzzo organizou a coletânea O cinema segundo a crítica paulista, incluindo os críticos Carlos Motta, Edmar Pereira, Francisco Luiz de Almeida Salles, Geraldo Mayrink, Heitor Capuzzo, Inácio Araújo, Jairo Ferreira, Jean-Claude Bernardet, Leon Cakoff, Luciano Ramos, Luiz Nazario, Orlando Fassoni, Pola Vartuck, Rubem Biáfora e Rubens Ewald Filho. Creio que o lançamento do livro no Museu da Imagem e do Som foi a última aparição pública do grande Biáfora, que morreria pouco depois.

Quando Antonio Gonçalves Filho passou a editar o Caderno 2, ele se lembrou de me convidar para escrever artigos para aquele caderno do Estadão: pude então publicar alguns artigos de página inteira sobre Pier Paolo Pasolini, Jean-Paul Sartre, Céline e Leni Riefenstahl. Eu continuava me realizando como crítico jornalístico na revista IstoÉ, tendo como colegas de cabine Edmar Pereira (Jornal da Tarde), Carlos Motta e Pola Vartuck (O Estado de S. Paulo), Rubens Ewald (TV Globo), Geraldo Mayrink (IstoÉ) e Mário Sérgio Conti (Veja), além do pessoal flutuante da revista Set, onde eu ainda escrevia bastante. Já o crítico de cinema saído das colunas esportivas Luiz Zanin Oricchio e aquele outro sem braço do Estadão vieram depois: não tivemos muitos contatos. Nas cabines que eu freqüentava a convite da Fox, da MGM e da Warner, eu era o mais assíduo dos críticos: não perdia uma sessão marcada, mesmo que o filme fosse um flop.

Ainda havia grandes reprises de filmes clássicos nas salas comerciais. Lembro-me, por exemplo, de que a Fox comemorou seus 50 anos em 1985 com uma mostra de seus grandes filmes em cópias novas, incluindo pequenos ciclos de Bette Davis (A malvada, Now Voyager, The Letter), Marilyn Monroe (Bus Stop, O rio das almas perdidas, Quanto mais quente melhor, The Seven Years Inch) e Carmem Miranda (Serenata tropical, Copacabana).

Mas o maior orgasmo cinéfilo foi o relançamento dos cinco filmes que Alfred Hitchcock considerava os seus melhores, e que por isso ele havia proibido de serem reprisados (evitando seu desgaste) senão quinze anos depois de sua morte: assistir a Rope (Festim diabólico, 1948); Rear Window (Janela indiscreta); The Man who Knew too Much (O homem que sabia demais), Vertigo (Um corpo que cai); e The Trouble with Harry (O terceiro tiro) em cópias novas no antigo cine Metro foi um dos pontos altos de minhas experiência cinéfila. E a mostra, generosa, incluía ainda as reprises de North by Northwest (Intriga internacional), Dial M for Murder (Disque M para matar), Psycho (Psicose), The Birds (Os pássaros) e Curtain (Cortina rasgada). Melhor impossível.

Nas pré-estréias de gala, uma presença prestigiosa era a de Dulce Damasceno de Brito: de 1952 a 1968, ela vivera em Hollywood como correspondente dos Diários Associados, com acesso irrestrito aos grandes estúdios. Tornou-se grande amiga de Carmem Miranda e entrevistou Audrey Hepburn, Barbara Stanwyck, Cary Grant, Charlton Heston, Clark Gable, Doris Day, Elizabeth Taylor, Grace Kelly, Gregory Peck, James Dean, James Stewart, Jane Wyman, John Wayne, Marilyn Monroe, Marlene Dietrich, Marlon Brando, Rock Hudson, Sophia Loren, Walt Disney, e muitos outros. Naquela época, sem gravador portátil, os jornalistas comprovavam que tinham feito mesmo a entrevista enviando uma foto posada junto com o entrevistado: Dulce acumulou poses com astros e estrelas, com as quais mais tarde ilustrou reportagens nostálgicas e seus livros ABC de Carmen Miranda, Hollywood Nua e Crua e Lembranças de Hollywood. Nunca tive coragem de me apresentar a Dulce Damasceno, sempre de turbantes e óculos escuros: era a Greta Garbo da crítica brasileira! Creio que ela nunca soube meu nome, nem que eu era filho de Joaquim Pinto Nazario, o diretor dos Diários Associados que a destacara para o seu fabuloso emprego…

Meu rival mais direto era Mário Sérgio Conti, jornalista que imigrara (como Amir Labaki) da editoria política para o campo do cinema, ocupando o lugar de um crítico de cinema de verdade na importante revista Veja. Nas sessões de cabine, os distribuidores só me passavam a folha dos cromos depois que Mário Sérgio houvesse retirado aqueles que ele considerava os melhores. A prioridade da divulgação era dada sempre àquele crítico, já que ele representava, independentemente de seus conhecimentos de cinema, a revista mais lida do Brasil. Mas eu sempre encontrava entre os restolhos uma imagem boa que ele havia desprezado, e minhas matérias acabavam sendo, do ponto de vista visual, tão ou mais atraentes que as dele. Pelo menos eu acreditava que sim.

Finalmente, uma tarde, a IstoÉ dispensou meus serviços de crítico de cinema, alegando razões de ordem política. Supostamente, para agradar Roberto Muylaert, o Presidente da Fundação Padre Anchieta, os donos da revista ofereceram meu posto de crítico à jovem e talentosa cineasta Anna Muylaert, que vinha a ser a afortunada filha daquele pistolão. Meu editor, o mineiro Humberto Werneck, chamou-me na ocasião a um bar para anunciar minha “demissão” tecnicamente injustificável. Antes de me dizer a verdadeira razão da dispensa, ele, visivelmente constrangido com a tarefa, bebeu seguidamente e sem intervalo quatro garrafas de coca-cola, o que me deixou bastante impressionado. Como eu iniciava meu doutorado em História, Werneck aconselhou-me: “Você é inteligente e ganhava uma ninharia na revista. Por que não termina seu doutorado na Europa?”.

Ainda relutando em mudar radicalmente de vida, tentei manter-me atuante na grande imprensa brasileira assumindo o posto de crítico de cinema da revista Afinal. Mas essa concorrente da IstoÉ estava infelizmente nas últimas: escrevi ali por algumas semanas, até que a revista foi à falência, sem sequer remunerar minhas poucas colaborações. Já na coletânea O cinema dos anos 80, organizada em 1991 por Amir Labaki, apenas 4 dos 17 colaboradores que escreviam sobre cinema eram críticos de cinema: além do organizador, Antonio Querino Neto, Fernão Ramos, Humberto Saccomandi, José Geraldo Couto e Luiz Nazario. Os críticos já eram superados pelos professores universitários. Eu mesmo, abalado com o triste fim da minha instável carreira de crítico sem diploma de Jornalismo na grande imprensa brasileira, que exigia esse canudo na reserva do mercado para os formados em Jornalismo, ainda que medíocres, já seguia a sábia sugestão de Werneck e, com uma bolsa da DAAD-CAPES, segui para a Alemanha como pesquisador acadêmico.

Instalei-me em Göttingen, depois em Münster, aprendendo o alemão para assistir a dezenas de filmes raros do ‘Terceiro Reich’ na Cinemateca Alemã em Berlim e nos Arquivos Federais de Wiesbaden e Coblença. No tempo livre que tinha em Berlim, acompanhei uma Berlinale que incluía uma inesquecível retrospectiva de filmes americanos rodados em CinemaScope, incluindo, entre outros, o perturbador Bigger than Life (Delírio de loucura, 1956), de Nicholas Ray; e o belíssimo Bonjour tristesse (Bom dia, tristeza, 1958), de Otto Preminger. Mais tarde, freqüentei a riquíssima mostra dos 75 anos da Ufa no Deutches Museum. Nos fins de semana, visitava os castelos de água da Westfália, viajava para Amsterdã ou, quando tinha mais tempo, para Paris, freqüentando como um louco os cinemas do Quartier Latin e a sala da Cinemateca.

Numa dessas ocasiões presenciei o relançamento de Play Time (Tempo de diversão, 1967), de Jacques Tati, em cópia nova, em seu formato original de 75mm, no Cine Arléquin, então reformado, e onde aquela obra-prima estreara pela primeira vez. Assisti ainda à estréia da fabulosa restauração do Ludwig (Ludwig, 1972), de Luchino Visconti, em suas quatro horas de projeção, e à do belíssimo Hamlet (Hamlet, 1996), de Kenneth Branagh, em sua versão integral, também de quatro horas, entre dezenas de experiências cinéfilas revitalizantes. Viajei por toda a Europa, conhecendo os mais importantes museus, freqüentando cineclubes e cinematecas, acumulando lembranças maravilhosas de um mundo de cultura que pude então sorver na medida de minha avidez.

Como descrever o apocalipse da minha partida da Alemanha? Não se deixa um país sem cortar todos os laços burocráticos que garantem nossa permanência nele e nos ligam à gigantesca máquina social. Deixar Münster para sempre foi uma experiência dolorosa. Ainda mal recuperado do trauma, chegando a São Paulo minha família mudava-se para outra casa. Vieram os trabalhos da mudança, os problemas com meu computador incompatível, o trabalho de recuperação das velhas relações e a revelação horrível de que muitos de meus editores haviam morrido em minha ausência: Andrea Carta (meu editor nas revistas HV e Elle), Casimiro Mendonça (na revista Atlante), Edmar Pereira (meu editor numa publicação promovendo a Trilogia Kafka de Gerald Thomas); Nelson Pujol Yamamoto (na revista A-Z); Caio Graco (na Brasiliense); Caio Fernando Abreu (no jornal Leia Livros)… A AIDS devastava a crítica, atacando as pessoas mais vulneráveis ao desejo, aquelas que não resistem ao amor, ao sexo, e entre as quais se encontravam as pessoas mais interessantes do planeta. O mundo foi se tornando um lugar cada vez mais sério, chato e careta.

Concluí minha tese em meio ao caos da vida elevado a um alto grau, após um curso sobre o Holocausto no Museu Yad Vashem, em Jerusalém, em 1994, a instâncias de minha orientadora brasileira, a grande historiadora Anita Novinsky, também uma grande cinéfila, que cultivava o hábito saudável de ver um bom filme toda noite. Desde então, abracei a carreira acadêmica, tornando-me professor de História do Cinema na UFMG. Com apoio da FAPEMIG e bolsas de produtividade do CNPq, mergulhei no estudo das vanguardas estéticas, na obra de Pier Paolo Pasolini – após mais duas viagens de pesquisa em Bolonha – e no cinema em torno do Holocausto, o que me permitiu realizar outro sonho: o de publicar os livros que resultavam dessas pesquisas na Editora Perspectiva, de J. Guinsburg. Quando adolescente, lendo Panovsky, Eco, Barthes, Scholem, Buber, Poliakov, Cassirer, Cooper, Metz e Kristeva, imaginava como seria bom ter um livro meu lançado na coleção Debates…

Na UFMG, convivi durante certo tempo com Heitor Capuzzo, que se afastou da crítica, escrevendo cada vez menos, mas não do cineclubismo, pois manteve por uns dez anos um cineclube (mas em vídeo…) dentro da Escola de Belas Artes, antes de se instalar em Los Angeles e, depois, mais recentemente, em Singapura, numa exótica trajetória de vida; com o simpático crítico e professor mineiro José Tavares de Barros, ligado ao Ofício Católico do Filme, que o enviava a todos os festivais de cinema ao redor do mundo: como Sua Majestade Lula, ele estava sempre viajando; e com José Américo Ribeiro, enérgico cineclubista e pesquisador do cinema mineiro. Mas o crítico mais autêntico que conheci em Minas foi o veterano Ronaldo Brandão, ex-crítico da revista Veja.

No dia 15 de setembro de 2004 (anotei em meus diários) eu o encontrei no café da Livraria Travessa, acompanhado de um jovem pintor e cenógrafo. Brandão contou-me como conhecera Brigitte Helm: a diva havia há décadas abandonado o cinema e estava no Brasil apenas acompanhando o marido, um industrial da Mannesman. Mas Ronaldo Brandão reconhecera a ex-estrela, então com 60 anos, mas ainda bela, que o recebeu no saguão do Hotel Del Rey. Ele também me contou uma indiscrição – a de que namorara John Schlesinger, quando o então jovem cineasta fazia um tour pelo Brasil a convite do British Council: “Sim, é verdade, John Schlesinger me comeu”, assegurou-me, “e depois seguiu para Hollywood, onde foi rodar Midnight Cowboy [Perdidos na noite, 1969]”.

Erguendo-se da cadeira em súbitos enlevos, lançando sensacionais caras e bocas, Ronaldo Brandão vibrava lembrando-se de mil e um filmes, incluindo a filmografia completa de Jennifer Jones, que ele adorava: “Tenho as quatro biografias de Jennifer Jones, cujo modelo cinematográfico era Silvia Sidney”. Contou-me que Rudá de Andrade fora assistente de Vittorio De Sica em Stazione Termine [Quando a mulher erra, 1953] e que viu a deusa apaixonada por Montgomery Clift durante as filmagens. Ao descobrir que Monty era homossexual, Jennifer jogou, num acesso de raiva, sua estola de pele na privada. Mas como a produção não achou outra igual, tiveram de secar a estola infecta com secador de cabelo, e a diva teve de continuar a usá-la…

Ronaldo Brandão deixou ainda bem claro para mim que não gostava nada de Elizabeth Taylor, a quem só desculpava em Cat on a Hot Tin Roof (Gata em teto de zinco quente, 1958), de Richard Brooks. Para concluir, recitou-me uma frase sua, que reputo das mais magníficas já forjadas pela crítica brasileira: “‘O cinema é a verdade 24 quadros por segundo’ – Jean-Luc Godard. ‘O cinema é um sonho que sonhamos todos juntos’ – Jean Cocteau. ‘Vocês são lindos, ricos, felizes? Fora daqui! O cinema é para quem não tem nada!’ – Ronaldo Brandão.”

Num mundo cada vez mais lindo, rico e feliz, os críticos de cinema foram saindo de cena. Jairo Ferreira, que começou escrevendo sobre filmes japoneses sem legendas estreados no Cine Niterói (ponto de encontro de cinéfilos e futuros cineastas como Carlos Reichenbach, João Calegaro e João Silvério Trevisan) para o São Paulo Shimbun, jogou-se da janela de seu apartamento depois de infernizar seus vizinhos arrancando toda a fiação à procura de misteriosas criaturas. Logo foi a vez de Carlos Motta, advogado que nunca exerceu a profissão, seguidor do Seminário de Cinema do MASP, com aulas ministradas por Plínio Garcia Sanchez, Marcos Marguliès, Tito Batini e – luxo supremo – Alberto Cavalcanti, iniciado na crítica em 1953 na revista Cena muda e colaborador no jornal Shopping News até se firmar n’O Estado de S. Paulo. Extremamente tímido, respondendo sem reclamar (como Inácio Araújo na Folha) pela ingrata seção de “Filmes na TV”, fiel seguidor de Biáfora, Motta acumulou um conhecimento enciclopédico sobre o cinema clássico, que seria muito útil a Rubens Ewald na elaboração de seu Dicionário de cineastas.

Dulce Damasceno faleceu em 2008; José Tavares de Barros, em 2009, depois de enfrentar o câncer com uma serenidade impressionante. Restam agora poucos críticos em atividade: Sérgio Augusto, Inácio Araújo, Antonio Gonçalves Filho, Rubens Ewald. Surgiram novos críticos: Sergio Rizzo, Carlos Alberto de Mattos, Luiz Fernando Gallego, Christian Petermann, Rodrigo Gerace… Mas eles não podem mais usufruir do espaço que era antes diariamente ocupado pela crítica. E o que se pode criticar hoje? Só blockbusters e indies de gosto duvidoso.

Os críticos refugiam-se em seus blogs e aí se confundem com a massa dos blogueiros, que registram suas impressões toscas sobre o que vêem nos cinemas dos shoppings ou em douwloads caseiros. A imprensa só publica resenhas de “jornalistas de cultura”, decalcadas dos press-releases com algumas frases bombásticas vazias, em propaganda disfarçada promovida pelas produtoras. O nível de alguns desses “jornalistas de cultura” pode ser avaliado pela declaração de Rodrigues Neto, presidente da Funcarte, de Natal: “Estou cagando e andando para o que dizem de mim; trabalho há 25 anos com jornalismo cultural.” (Novo Jornal, 2009). Essa gente tem todo o espaço das mídias, enquanto os críticos, que não se formam em Jornalismo, mas em Direito, Filosofia, História, Sociologia, Artes, Letras, ficam excluídos.

Quando se anuncia a produção de um novo Spider Man, um novo Batman, um novo Avatar, uma nova Alice, todo o aparato de marketing montado pelo conglomerado é colocado em ação para que o blockbuster seja maciçamente divulgado semanas antes de entrar em cartaz. A mídia cria o clima psicológico favorável ao mega-sucesso programado, que pode ser um filme bom, ruim, péssimo ou excelente: isso não importa mais. A qualidade cinematográfica deixou de estar em questão. O que importa é criar um smash hit através de milionárias campanhas publicitárias envolvendo todas as mídias. Os “jornalistas de cultura” são as ruelas dessa engrenagem gigantesca.

O verdadeiro crítico não cedia a pressões: mantinha-se fiel às suas próprias obsessões estéticas. Já o “jornalista de cultura” é um orientador de consumo. Até os anos de 1970 a crítica discorria sobre o conteúdo e a forma do filme sem a preocupação de apontar com o dedo: “não percam esta obra-prima!” – “fujam deste abacaxi!”. Os jornais contavam com críticos que instigavam a leitura, mais até por sua personalidade que por seu texto. Dominados por suas paixões e idiossincrasias, escreviam de acordo com seu gosto pessoal, muitas vezes aberrante. Era assim que o leitor podia desenvolver seu próprio gosto: criticando a crítica. Detestar um crítico e continuar a lê-lo era a prova mesma de que ele era um crítico verdadeiro. Se eu conhecia o crítico e não gostava do que ele gostava, ia assistir ao filme que ele detratara, evitando aquele que ele incensara. Ou assistia aos filmes que ele critica e aos que ele elogiava, apenas para criticar suas críticas. O crítico criava antagonistas à sua altura, enquanto o “jornalista de cultura” produz apenas um “rebanho que saca”, no dizer de Pepe Escobar.

Os críticos de cinema eram divertidos, mas superficiais; cômicos, mas maldosos; interessantes, mas invejosos… Hoje não há mais espaço para o crítico nem para o crítico do crítico, isto é, para o novo crítico em formação – pelo simples fato de que não há mais espaço na grande imprensa para personalidades autônomas perturbadas. Cinéfilos precoces, os críticos são doentes por cinema desde a infância. A cinefilia é a tara e a vocação dos críticos, com qualquer formação e não necessariamente a de Jornalismo. Desde criança, o crítico é sexualmente orientado para o cinema, e revela gostos pessoais que entram em confronto com o gosto da maioria. Quem poderia imaginar, por exemplo, que a atriz preferida de Rubens Ewald é Debbie Reynolds? Além de registrar todos os filmes que via (sua lista chega a mais de 30 mil), Rubinho mantém um registro especial para sua estrela predileta, orgulhando-se de ter conseguido adquirir em VHS e DVD todos os filmes de Debbie Reynolds. Esse parafuso solto era o que havia de mais interessante na crítica. E é isso o que se perdeu para sempre.

O SUCESSO DO TERROR

LUCIANA RIBEIRO ENTREVISTA LUIZ NAZARIO, para o jornal Estado de Minas.

A que você atribui o sucesso dos filmes de terror? E o fascínio dos espectadores pela sensação de medo, frio na barriga e sustos?

O sucesso do terror cinematográfico deve-se a vários fatores: o sistema da globalização, que libera o sadomasoquismo das massas com a perda da dimensão humana do sagrado e a concentração da mesma em religiões totalitárias; a repressão sexual operada por uma realidade de desemprego, miséria, feiúra, doença e morte, em confronto com um imaginário cada vez mais sofisticado, liberado, e mesmo depravado; o desenvolvimento das técnicas cinematográficas que tornam a imagem cada vez mais próxima da ilusão de realidade, tornando os efeitos sempre mais convincentes; a mudança do perfil do público, formado hoje em sua maioria por adolescentes, que buscam no cinema um tipo de gozo perverso, que afasta das salas os espectadores adultos e maduros, que preferem um cinema mais sensível, hoje raro. Quanto ao fascínio do espectador médio pelo medo cinematográfico, é uma catarse necessária para que ele seja devolvido à realidade insuportável com a sensação de que essa não seria tão insuportável quanto a que experimentou na sala escura: ele precisa provar o horror sagrado, absoluto, para retornar à vida medíocre, cinzenta, com a sensação de ter tido emoções intensas, conformando-se à sua existência aborrecida. Os filmes de terror cumprem, na sociedade globalizada, de forma mais discreta, as mesmas funções que desempenham os brinquedos extremistas nos parques de diversão e os esportes radicais como o body-jumping.

Na sua opinião, quais linhas de filmes de terror são mais significativas na história do gênero?

Desde o início do cinema, os filmes de terror sempre abordaram o sobrenatural: o mundo dos mortos, dos fantasmas, dos demônios, dos monstros, dos alienígenas, dos psicopatas. Com o fim do Código de Produção, em 1968, o terror passou a ser cada vez mais explícito, perdendo a poesia, que era sua característica mais interessante. Com essa renovação do gênero nos anos 1970-1980, com a ascensão de diretores de mão pesada, como Tobe Hooper, John Carpenter, Wes Craven, George Romero e Tom Holland, os mundos sobrenaturais começaram a entrecruzar-se, de modo que o cinema de terror passou a abrigar mundos cada vez mais estranhos, como o dos animais demoníacos (Tubarão, Orca), o da tecnologia demoníaca (O elevador assassino, Christine), o dos alienígenas demoníacos (Alien, Predador), o dos psicopatas demoníacos (Jason, Freddy Kruger), o dos psicopatas com tecnologia demoníaca (a família de assassinos de O massacre da serra elétrica, o motorista de Duel), o dos psicopatas mortos com tecnologia demoníaca (o bonequinho Chucky)…

Quais são os diretores, monstros e vilões mais importantes historicamente? Por quê?

Mais que diretores, cinco produtores marcaram o cinema de terror: Carl Laemmle Jr., o produtor dos filmes de monstros clássicos da Universal (O homem que ri, Frankenstein, Drácula, Lobisomem, Múmia); Val Lewton, que criou um terror sugestivo, atmosférico, em clássicos do filme B (como Sangue de pantera); William Castle, pelos gimmicks de terror que inventava para o lançamento de seus ótimos filmes sensacionalistas (ele é homenageado no filme Matinê); Roger Corman, que realizava um terror barato, mas ainda elegante, inteligente e divertido (como O corvo); e Steven Spielberg, que desde os anos 1970 vem renovando o gênero com seus melodramas de horror com efeitos especiais de última geração (Parque dos dinossauros, Guerra dos mundos).

Você identifica algum motivo para este ano ter tido tantos filmes de terror? Viu algum deles?

O último filme de terror que vi e que me impressionou foi O chamado, de Gore Verbinski, que uma amiga minha considerou como sendo apenas um filme vagabundo sobre pessoas assustadas por um vídeo caseiro feito no inferno. Mas vi nele algumas qualidades, para além dos sustos vulgares de toda produção do terror contemporâneo. Antes dele, pelas sugestões de horror que contêm, O sexto sentido e Sinais, de M. Night Shyamalan, impressionaram-me, assim como Os outros, de Alejandro Amenábar. Também gostei de A Bruxa de Blair, de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, pela sensação que ele deixa e que se manifesta bem depois que saímos do cinema, à noite, quando ficamos sozinhos; e de Mimic, de Guillermo del Toro, que elevou ao máximo o horror que quase todo mundo sente diante de uma barata parada sobre seu travesseiro, atrás de sua toalha de rosto, ou voando em sua direção.

Os efeitos especiais cada vez mais sofisticados de hoje em dia melhoram ou empobrecem a nova safra?

Não suporto a edição estilo Seven, que picota a continuidade numa série de fotogramas, sugerindo as coisas mais horripilantes do mundo para forçar, de modo sub-reptício, o terror mental, psicológico. Isso intensifica e ao mesmo tempo empobrece o cinema. O sobrenatural é metafísico, e requer um espaço mental para meditarmos sobre ele; a atual edição dos filmes de terror não concede mais esse espaço, quer preenchê-lo inteiramente com um caleidoscópio sinistro. Por isso prefiro o horror dos anos de 1920-1950, onde o Mal é apenas sugerido, não somos agredidos pelas mutilações, o sangue jorrando, as tripas saltando para fora, os crânios esfacelados, com cérebros derramados no chão, como em Marcas da violência, de David Cronenberg. Ele e David Lynch são grandes diretores, mas também recorrem a esses efeitos para impressionar o público adolescente, que é o que lota as sessões, transforma um filme em sucesso de bilheteria e empurra o cinema cada vez mais para baixo, para o nível – como dizia Guará – “pré-mental”.