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O CINEMA ERRANTE DE FAUSTO FUSER

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Diretor, crítico de teatro, pesquisador, doutor e mestre em artes, Fausto Fuser contribuiu de modo notável para a formação de artistas do teatro brasileiro, como professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, onde lecionou as disciplinas de Improvisação, Interpretação, Iluminação, Direção, Projetos Teatrais e Crítica.

Entre 1964 e 1970, Fausto Fuser estudou Cinema e Teatro na Escola Nacional Superior de Cinema da Polônia, a Filmówka, na Ulica Targowa (Rua do Mercado), na cidade de Lodz, que, ao contrário de Varsóvia, não foi alvo dos bombardeios nazistas devido à sua indústria têxtil, que interessava aos alemães.

Fuser escreveu um relato fascinante sobre sua formação na Filmówka de Lodz: seus cursos e professores, as intrigas internas, os dissabores que os artistas provavam no regime comunista, as filmagens que ele pode, com grande esforço, empreender, e os resultados de seus exames.

Numa narrativa deliciosa, evocativa, nostálgica, Fausto Fuser registra de forma viva e emocionante o dia a dia da escola onde grandes cineastas como Andrej Wajda, Roman Polanski, Jerzy Skolimowski, Andrej Munk, Krzysztof Zanussi, Krzysztof Kieślowski e Zbigniew Rybczyński deram seus primeiros passos.

Esse texto antológico, intitulado “Relatos poloneses ou Na Polônia e uma Laranja”, foi publicado pela revista PesquisAtor, n. 2/2013, da USP, e pode ser lido aqui: http://www.revistas.usp.br/pesquisator/article/view/56400.

Na Escola de Cinema de Lodz, uma parte importante dos trabalhos escolares constituía-se na realização de curtas-metragens, ali chamados de “estudos”. Fausto realizou quatro “estudos” em Lodz, que seu filho conseguiu milagrosamente, décadas depois, recuperar e trazer para o Brasil:

Noz (A faca, Polônia, 5’ 37’)’. Um operário polonês regressa bêbado para casa, à noite, depois do trabalho pesado. Nem consegue jantar. A menina tem pesadelo com o acontecido e, na manhã seguinte, a caminho da escola, livra-se do problema menor embalada por uma bossa-nova na rua principal de Lodz. 

Carmem (Carmem, Polônia, 5’ 07’’). Cantora do coral do Grande Teatro de Ópera de Lodz, na Polônia, reclama de ter sido traída pelo “sistema”, enganada com a promessa de participar de forma igualitária dos papéis de solista nas óperas. Ela faz parte do coro que espera, na coxia, atrás do cenário, o momento de cantar o encerramento da ópera. Com a morte da solista no palco, ela tem a chance de se transformar em Carmem.

Gniady (O pangaré, Polônia, 11’ 05’’). Um velho leva seu inútil pangaré para o sacrifício, em meio a recordações mais felizes, entre cavalinhos-bailarinos e sua bela treinadora, no circo da infância, distante-e-presente. No embate com a dura realidade, recusa-se a entregar os pontos.

Wluczega (O vagabundo, Polônia, 21’30’’). Desesperado por não poder sustentar a família em dificuldades um desempregado vaga pelos campos à procura de um trabalho. Mete-se em complicações com a sociedade, sonhando em partir em liberdade com os pássaros. Adaptado do conto homônimo de Guy de Maupassant.

Os filmes foram exibidos em 2008 no Centro Brasileiro Britânico, em São Paulo, de cujo programa eu retirei as sinopses acima. Provavelmente foram ainda exibidos em outras ocasiões, furtivamente. Nunca pude vê-los. Mas não seria uma ótima ideia lançar essas raridades – o cinema errante produzido por um talentoso estudante brasileiro na Polônia – num DVD? Fica a dica…

PETER JACKSON

5A0

The Hobbit: The Desolation of Smaug (O Hobbit: a desolação de Smaug, 2013). Direção: Peter Jackson. Roteiro: Fran Walsh, Philippa Boyens e Guillermo del Toro.

Segunda parte, depois de The Hobbit: The Unexpected Journey (The Hobbit: uma jornada inesperada, 2012), da nova trilogia de Jackson passada na turbulenta Terra-Média, numa adaptação de O Hobbit (1937), de J. R. Tolkien.

Doze anões (Balin, Bifur, Bofur, Bombur, Dori, Dwalin, Fili, Gloin, Kili, Nori, Oin, Ori), liderados por Thorin (Richard Armitage) e secundados pelo corajoso hobbit Bilbo Bolseiro, que agora detém o anel “precioso”, que o torna invisível, tentam retomar a terra natal dos anões, dominada por forças malignas.

Kili (Aidan Turner), o anão mais alto e bonito, conquista a elfa Tauriel (Evangeline Lilly), para desgosto do elfo Legolas (Orlando Bloom), que a deseja. O mago Gandalf (Ian McKellen) enfrenta o demônio, que anula seus poderes. E tentando matar o Dragão (Benedict Cumberbatch), os anões só conseguem levá-lo a desejar destruir a cidade ao pé da Montanha Solitária.

Curiosidade: para dar movimento ao Dragão (via mocap), Cumberbatch comprimia pernas e pés e se arrastava no chão apoiado nos cotovelos usando as mãos como garras, enquanto articulava pescoço e ombros de forma exagerada.

O filme é longo – três horas – mas tem sequências muito boas: o ataque das aranhas gigantes, as diversas lutas contra os orcs, o despertar do Dragão, que se comprazia em permanecer adormecido, sob os tesouros que forravam o castelo.

O universo mítico de Tolkien evoca O anel dos Nibelundos, do antissemita Richard Wagner: o tesouro enterrado, o dragão, os heróis guerreiros, o dom da invisibilidade, o anel mágico forjado pelo anão Alberich com o ouro roubado do Reno…

No filme, os anões são mercadores feios, narigudos, mas teimosos e inteligentes. Eles representam os judeus. Seu povo foi exterminado e agora os últimos sobreviventes tentam retomar sua terra natal, saqueada pelo Dragão e ocupada por demônios.

Os elfos são os Nibelungos do ideal wagneriano, o povo germânico que carrega o estandarte protonazista de Força & Beleza, com seu discurso de exaltação à pureza. Os orcs evocam os hunos, guerreiros asiáticos, horrendos, sem escrúpulos.

A fantasia de Tolkien tenta reconciliar judeus e germanos, tornando os anões e os elfos inimigos, mas nem tanto: eles se aliam e se revelam heroicos no campo de batalha, ao contrário do que ocorre na obra de Wagner, onde o mal representado por judeus e hunos precisa ser destruído pelos Nibelungos.

ALAN TAYLOR

Thor 2, o mundo sombrio

Thor: The Dark World (Thor II: o mundo sombrio, EUA, 2013, 122’, cor, aventura). Direção: Alan Taylor. Com Chris Hemsworth (Thor), Natalie Portman (Jane Foster), Tom Hiddleston  (Loki), Stellan Skarsgård (Selvig), Idris Elba (Heimdall), Christopher Eccleston (Malekith), Adewale Akinnuoye-Agbaje  (Algrim / Kurse), Darcy (Kat Dennings), Volstagg (Ray Stevenson), Fandral (Zachary Levi), Hogun (Tadanobu Asano), Sif (Jaimie Alexander), Frigga (Rene Russo, Odin (Anthony Hopkins), Richard (Chris O’Dowd), Tyr, o Deus da Guerra (Clive Russell), Capitão (Richard Brake), Atendente (Glen Stanway ), Paciente no hospício (Stan Lee), Capitão América  (Chris Evans), Taneleer Tivan, o Colecionador  (Benicio Del Toro), Atriz (Ophelia Lovibond).

Sequencia de Thor (2011), de Kenneth Branagh, Thor: The Dark Wrold se inicia com o super-herói do martelo restaurando a ordem no cosmos. Mas logo os Nove Reinos, em Alinhamento, são ameaçados pelo vingativo elfo Malekith, um inimigo sombrio da vida que só deseja destruir todo o universo, levando-o de volta às trevas através do uso do poderoso elemento Ether (uma metáfora óbvia da Energia Nuclear buscada atualmente pelo Irã).

Pesquisando, com a estabanada assistente Darcy e seu novo estagiário, uma passagem entre as dimensões do Alinhamento, a bela cientista Jane Foster cai num dos buracos bidimensionais e encontra o Ether, que penetra em seu corpo. Resgatada por Thor, ela é sequestrada por Malekith, que invade Asgard num momento de crise, quando o rei Odin manda prender o perverso e ambicioso filho adotivo Loki, que se alia aos inimigos na meta da usurpação do trono.

Fortalecido pelo Ether extraído de Jane Foster, Malekith enfrenta Thor e Loki, que se irmanam num combate extremo que começa em Londres quando o Alinhamento se consuma em Greenwich, com o Apocalipse prolongando-se até o cosmos. Essa sequência culminante da batalha pelo Ether é o show de efeitos especiais que justifica a superprodução, com Thor tendo a mão cortada por Loki, numa reviravolta cruel e surpreendente.

No primeiro filme, o empenhado Kenneth Branagh, levando Hollywood a sério, conseguia transformar o universo de durepoxi da Marvel num blockbuster com ressonâncias shakespearianas. Nessa sequência ridícula, Taylor, egresso da TV (Game of Trones), conforma-se às regras anti-intelectuais do blockbuster e ao universo irracional e truculento da Marvel.

Difícil imaginar maiores bobagens que as que os roteiristas reuniram no filme. E como se elas não bastassem, quando Loki demonstra seu poder de mutação, convertendo Thor na guerreira Sif (Jaimie Alexander) e a si mesmo em Capitão América (Chris Evans), “herói da Marvel que enlouquece a todos”, o filme se torna paródia de si mesmo, fazendo propaganda do blockbuster concorrente aliado. Triste ver astros e estrelas pagando mico em divertissements da nova Hollywood de esquerda, cuja moral se resume a: “take the money and run”.

O SINISTRO EM ‘O MÁGICO DE OZ’

Oz

The Wizard of Oz (O mágico de Oz, 1939), de Victor Fleming, tem um lado sinistro. Um dos anões do filme teria se matado no estúdio, de amor não correspondido ou após ser despedido. O suposto suicídio teria sido captado pelas câmeras e passado despercebido pelos editores. Quando Dorothy, o Homem de Palha e o Homem de Lata saem dançando na estrada amarela, podemos ver no meio da floresta, à esquerda, um corpo de anão dependurado por uma corda balançando entre as árvores. O estúdio teria declarado ser uma grua, ou o movimento de um grande pássaro oculto entre as árvores.

A cena com o corpo do “Munchkin suicida” pode ser vista com nitidez numa fita VHS de The Wizard of Oz supostamente lançada em 1980, comprada de um lote do acervo de um colecionador. À edição (forjada ou não), o usuário que a postou no YouTube acrescentou uma trilha sonora tenebrosa, o que torna a aparição do anão enforcado um momento digno dos melhores filmes de terror:

Mais informações sobre a origem e a autenticidade dessa fita de vídeo “lançada em 1980” não são fornecidas, reforçando a tese dos que defendem tratar-se de uma edição forjada. Na versão remasterizada do filme, vê-se claramente o pássaro enorme escondido atrás da árvore abrindo as asas quando os personagens penetram na floresta – uma visão igualmente sinistra:

Comparação entre as duas versões da cena:

Uma comparação melhor:

O caso é relatado numa postagem de Urban Legends:

Tentando provar que o anão suicida é uma lenda, Urban Legends afirma que o estúdio alugou toda espécie de pássaros do zoológico, mostrando um deles em outra cena. E demonstra que restos da edição fake não foram apagados, aparecendo as extremidades das asas da ave gigante entre as árvores. Mas essa edição poderia ter sido forjada pelo estúdio: as cenas justapostas parecem duas tomadas diferentes da mesma cena, e só o estúdio poderia ter outros takes da mesma cena.

A chamada versão não editada, lançada no vídeo de 1980, teria sido, então, um erro do estúdio, ao usar uma cópia “não corrigida”. Os que desejam desmascarar essa lenda apresentam ainda, como contraprova, a gravação de uma transmissão do filme em 1981, na TV, mas o estúdio – que nega tudo, assim como os Munchkins sobreviventes – teria, claro, substituído o suposto take maldito pelo take do pássaro gigante na versão final do filme lançada nos cinemas.

O melhor comentário de Facebook sobre o estranho caso do Munchkin suicida foi o do brasileiro Paulo Simões:

“Isso acontecia em todos os filmes antigos. O cinema e a dramaturgia sempre tiveram uma ligação estreita com a morte, o diabo e o oculto. Por isso o uso da computação gráfica está se tornando cada vez mais frequente, até virar o único meio. Repare que nas animações não morrem pessoas humanas.”

Tamanha perspicácia é mais um sintoma de nosso fantástico sistema educacional, que forma pessoas cada vez mais bem preparadas para enfrentar os grandes desafios dos tempos modernos.

PEDRO ALMODÓVAR

Amantes pasajeros (17)

Vi, ainda em São Paulo, Los amantes pasajeros (Os amantes passageiros, 2013), de Pedro Almodóvar: quase uma perda de tempo. Apesar dos atores bem interessantes, as piadas maliciosas e as perversões dosadas de Almodóvar – que mantém um olho no público gay, outro no público hetero, envesgando cada vez mais para arrecadar o máximo nas bilheterias – só me provocam agora uns sorrisos amarelos. Seus filmes não suam mais, seu mundo ficou muito clean e sem cheiro. Foi-se a sujeira com o escovão, ficou o brilho do sapólio. Das suas bananas nanicas sobraram as cascas, a caricaturar seu próprio estilo pop, numa auto-imitação barata e bem comportada. O sucesso matou o artista punk, cortando suas raízes, que estavam fincadas no underground. Restou o diretor borboleteando sem rumo, como seus passageiros meio gays, meio heteros, meio drogados, meio caretas, meio engraçados, meio empertigados.

Conheci Pedro Almodóvar no seu auge, quando veio apresentar El matador (O matador, 1986), no Festival do Rio, se não me engano. Ele ainda não era tão conhecido, na verdade seus filmes, ousados até o absurdo, ainda estavam cercados pelas desconfianças blasées dos críticos, que o viam como um marginal pretensioso. Sua consagração mundial viria dois anos depois, com o sucesso estrondoso de Mujeres al borde de un ataque de nervios (Mulheres à beira de um ataque de nervos, 1988). Fui à coletiva de imprensa com Edmar Pereira, sempre tão engraçado, e esse crítico divertido, que não gostava de nada, até que gostou do diretor espanhol, que, naquela altura, me entusiasmava: “Ele parece um cabeleireiro”, sussurrou-me Edmar, “um cabeleireiro que enlouqueceu.” Acho que hoje, sem mais a loucura daqueles anos, Almodóvar voltou a parecer apenas um cabeleireiro, agradando como nunca os críticos e o público.

COLECIONANDO CLÁSSICOS

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A cópia de The Painted Veil (O véu pintado, 1934), de Richard Boleslawski, com Greta Garbo, lançado em DVD pela editora COLECIONE CLÁSSICOS (CC), está uma vergonha. Eu tinha uma cópia do filme gravada da TV, que adquiri do simpático SEBO QUERELLE, e queria substitui-la por uma oficial, supostamente melhor.

Mas a cópia lançada pela CC é a mesma cópia da TV, e ainda por cima piorada: copiada da cópia da TV, para tapar o logo do canal que exibia o filme (mais discreto na minha cópia) colocaram um enorme e berrante selo COLECIONE CLÁSSICOS, que avacalha o filme do começo ao fim! Infame! Nem se fosse de graça isso podia ser oferecido ao público, e ainda cobram mais de trinta pilas!

Já a cópia de Susan Lenox (Susan Lenox, 1931), de Robert Z. Leonard, com Greta Garbo e Clark Gable, que a CC lançou está melhor que a vendida pelo SEBO QUERELLE, sem ser ótima. A lamentar, porque o projeto gráfico da COLECIONE CLÁSSICOS é acima da média. Mas não basta uma embalagem bonita e um encarte bem feito, em papel couché, com informações úteis sobre o filme, se a própria cópia não está em condições de ser exibida.

COLECIONE CLÁSSICOS poderia ser uma nova MAGNUM OPUS (que por seu lado descuida da parte gráfica), dedicada aos clássicos, já que a CONTINENTAL e a CLASSICLINE são outras vergonhas. Mas a CC já começou mal. Aliás, já me disseram que todas essas empresas pertencem ao mesmo grupo. Não sei. O que sei é que a VERSÁTIL e a LUME FILMES continuam sendo as únicas empresas mais confiáveis nesse setor.

Em tempo: a cópia de Juno and the Peycock (Juno e o pavão, 1930), de Alfred Hitchcock (filme que, como muito outros da fase inglesa do diretor, estava inédito em DVD no Brasil) pareceu-me razoável, e as de Swing Time (Ritmo louco, 1936), de George Stevens, e de Action in the North Atlantic (Comboio para o Leste, 1943), de Lloyd Bacon, todos lançados pela CC, estão boas. Esperemos que o forfait de The Painted Veil tenha sido uma exceção.

ARI FOLMAN

Imagem

A animação política israelense Valsa com Bashir, de Ari Folman, é um trabalho espantoso. A pequena e brava equipe de animadores não usou rotoscopia, mas um softer que movia quadro a quadro as figuras divididas em oito partes e depois subdivididas em vinte outras partes, de modo que os recortes ganhavam uma flexibilidade incrível, aproximando os personagens das figuras de carne e osso, nas quais se inspiraram, mas sem perder seu caráter de cartoon.

Já a trama é bastante ardilosa. O filme parte de flashes de memórias apagadas: as dos soldados israelenses que lutaram na primeira Guerra do Líbano. Eles não se lembram do que faziam nem onde estavam durante o massacre de Sabra e Chatila. A amnésia seletiva desses soldados israelenses pode ser devida a traumas de guerra ou à maconha que fumam sempre que se encontram, ao recordar os velhos tempos.

Mas a pretensa amnésia é também um artifício da manipulação esquerdista para agradar as massas antissemitas que culpam os israelenses pelo massacre perpetrado pelas falanges cristãs libanesas, numa retaliação bárbara ao assassinato do presidente libanês Bashir Gemayel, eleito em 1982, e morto pelos terroristas palestinos dias antes de assumir o poder, num atentado com carro-bomba que vitimou mais 26 pessoas.

Muitos judeus de esquerda – e o cineasta Folman é um deles – absorvem como uma esponja a culpa dos outros, passando a assumir que eles são os carrascos nazistas de que os novos antissemitas os acusam de ser, massacrando os pobres palestinos inocentes, que nunca são carrascos, mas sempre vítimas.

A animação tecnicamente excelente revela-se crapulosa. Com sua falsa amnésia, Folman quer apenas alimentar o desejo de que Israel assuma, à maneira masoquista dos pacifistas, que não se cansam de condenar a teimosia do Estado judeu em querer sobreviver, a culpa não apenas de seus crimes, como também dos crimes alheios.

Com essa estratégia maquiavélica, típica dos pacifistas, e de sucesso garantido em todos os festivais internacionais de cinema, Folman satisfaz o desejo dos que responsabilizam Israel pelo massacre de civis no campo de Sabra e Chatila, onde os terroristas palestinos viviam, livrando de qualquer responsabilidade os autores do massacre, que aplaudirão o filme soltando gargalhadas.

SHERLOCK HOLMES E A ARMA SECRETA

Sherlock Holmes and the Secret Weapon (1943),

Sherlock Holmes and The Secret Weapon (Sherlock Holmes e a arma, EUA, 1943, 80’ na versão inglesa, 68’ na versão americana, p&b e colorizado). Direção: Roy William Neill. Com Nigel Bruce, Basil Rathbone, William Post, Lionel Atwill.

O cientista Dr. Franz Tobel (William Post) inventou uma mira aérea que dá aos aviões bombardeiros uma precisão até então inédita. Ele deseja vender seu invento para os ingleses e precisa escapar dos agentes da Gestapo, que estão no seu encalço, na Suíça. Conta com a ajuda de Sherlock Holmes (Basil Rathbone) que, disfarçado de antiquário, consegue despistar os agentes que tentam sequestrar o inventor. Já em sua casa, em Londres, Holmes esconde as partes do invento desmontado em enormes livros encadernados esvaziados de seu miolo e encarrega o Dr. John Watson (Nigel Bruce) da missão de zelar pelo esquivo Dr. Tobel até a apresentação da mira ao exército britânico, na manhã seguinte. Contudo, o inventor apenas finge tomar o remédio para dormir que Holmes lhe administra e aproveita o sono do médico para dar uma escapadela e encontrar sua amante londrina.

Ao sair da alcova, de madrugada, sofre uma tentativa de sequestro, mas consegue livrar-se dos capangas. A apresentação do invento é um sucesso, mas logo descobrem que as peças escondidas nos livros foram roubadas. O inventor desaparece em seguida. A única pista é a amante, que revela que ele lhe confiara, na noite anterior, um envelope endereçado a Holmes, contendo estranhos desenhos. Mas ao buscar o envelope, ela o encontra vazio: também fora roubado. Holmes consegue, graças aos seus conhecimentos de química, reconstituir a nota pelos traços de pressão da escrita na agenda. Tratava-se de um código secreto. Por trás de tudo estava o gênio do mal, Professor James Moriarty (Lionel Atwill), que sequestrara o inventor, roubara as partes da mira e a fórmula de sua montagem. O destino da Inglaterra estava em jogo. A Scotland Yard, Holmes e Watson juntam suas forças para resgatar o inventor e impedir o traidor Moriarty de vender aos nazistas a nova e poderosa arma secreta.

O filme foi restaurado e lançado em DVD na edição americana original de 68 minutos em duas versões: a original em preto e branco e a colorizada. Embora eu não seja um defensor da colorização, bem ao contrário, devo admitir que a intromissão das cores funciona bem nesse filme e o torna até mais interessante. Não se tratando de um clássico, mas de um seriado de produção barata da Universal, que já nasceu como pastiche, a trama mescla dois contos de Sir Arthur Conan Doyle (“The Dancing Men” e “The Empty House”), atualizando-os para o ambiente da Segunda Guerra. A colorização empresta ao remix cores irreais, menos parecidas com as do sistema Tecnicolor da época que com as dos cartazes em tons fortes que anunciavam os filmes ou com as das lindas fotografias coloridas de Londres sob o bombardeio alemão durante a guerra.

CHERNOBYL DIARIES

Chernobyl Diaries (Chernobyl – Sinta a radiação, EUA, 2012, 86′, cor, terror), de Bradley Parker.

Seis jovens, três homens e três mulheres, resolvem visitar a condenada cidade radioativa de Pripyat, que teve de ser evacuada após a explosão do Reator 4 do complexo nuclear de Chernobyl.  São guiados por Uri, um militar russo reformado, agora dono de uma pequena agência de turismo radical em Kiev, que trabalha sozinho. Justo no dia do passeio, Pripyat está fechada à visitação, mas Uri, pressionado pelos jovens turistas sem noção, acaba entrando em Pripyat por um caminho alternativo. Em meio aos prédios abandonados, sinistros eventos têm lugar, incluindo a irrupção brusca e assustadora, no apartamento que os jovens visitam, em efusões de alegria, de um “urso radioativo do inferno”. O susto os faz querer deixar às pressas o lugar, antes que anoiteça. A diversão radical terminou, e começa então o calvário.

O calvário também será radical. Pois além do urso, e de cães e lobos famintos que chegam com a noite, seres mutantes perambulam por ali, à espreita, e quando os jovens paspalhos tentam escapar a toda velocidade do antro condenado, descobrem que os cabos da van foram devorados por uma desas criaturas enquanto eles passeavam pela cidade fantasma. Eles concluem que a cidade já não andava tão fantasma quanto todos a imaginavam. Logo, os próprios turistas serão devorados, um a um, por mutantes canibais do inferno. Rodado na Sérvia e na Hungria, com atores inexpressivos, em ambientes que simulam as verdadeiras cidades de Kiev e Pripyat, o filme é um lixo nuclear que se deve evitar a qualquer preço.

KAUSHIK GANGULY

Aarekti Premer Golpo (Mais uma história de amor, 2010)

Aarekti Premer Golpo (Mais uma história de amor, Índia, 2010, 129’, cor, drama). Direção: Kaushik Ganguly. Com Rituparno Ghosh, Chapal Bhaduri, Indraneil Sengupta, Churni Ganguly.

O cineasta-travesti Abhiroop (Rituparno Ghosh), que vive na moderna Delhi, realiza um documentário sobre o decadente ator-travesti Chapal Bhaduri (Chapal Bhaduri), que se encontra esquecido e retirado na atrasada Calcutá. O feioso cineasta, que ostenta ser a pessoa mais sensível do mundo, mantém um affaire de dez anos com o fotógrafo de seus filmes, o esbelto bissexual Basudeb (Indraneil Sengupta). Sua história de amor é abalada com a chegada de Rani (Churni Ganguly), a esposa de Basudeb, no set das filmagens.

Rani, que a crer no roteiro apenas “desconfiava” das traições do marido, fica chocada ao ver, no quarto de Abhiroop, para o qual é levada por engano, fotos comprometoras do seu homem agarrado ao amante. E, quase como uma vingança, escarnece do amante do marido pedindo-lhe sugestões de nomes para uma criança que vai nascer, só depois “deixando escapar” que se trata de seu próprio rebento. Ela mata dois coelhos com uma cajadada só: surpreende o marido desgarrado, que tem passado mais tempo com o amante, e deixa seu rival abalado com a perspectiva de novas chantagens emocionais.

Mesmo flertando com outro homem, que quer levá-lo a Nice apesar de aí viver com seu namorado, Abhiroop sofre com a indecisão de Basudeb: futuro pai, ele agora pretende passar mais tempo com a esposa. Esses amores desatinados, complicados pela sensualidade ambígua de Basudeb, segue paralelamente ao igualmente caótico quarteto amoroso que marcou a vida do velho ator-travesti Chapal, dividido entre a paixão por dois homens e por eles obrigado a humilhantes tarefas domésticas, pelo favor de morar em suas casas, após perder o emprego no teatro, denunciado por comportamento escandaloso pelas atrizes enciumadas de seu sucesso junto aos colegas.

Depois da queda, Chapal é instado pelo namorado e deixar sua casa, e encontra novo amante, com quem vive alguns anos, mas acaba por deixá-lo quando o antigo namorado, que o havia rejeitado, pede que ele volte para cuidar de sua esposa, que se encontra gravemente doente. Mas a doença grave da mulher se prolonga por longos anos… E, sempre fora de casa, fugindo de suas responsabilidades, o homem arruma outra amante, mais jovem, que vai morar com ele e com seu abnegado amante que cuida de sua esposa.

Banhado na confusão de sentimentos desses indecisos personagens, o filme é um melodrama típico do cinema indiano, com leve ou ousado (dependendo da perspectiva) acento gay. Reforçando o jogo de espelhos, as cenas do passado de Chapal, revividas no “documentário”, são encenadas pelos mesmos atores: Rituparno Ghosh encarna Abhiroop no presente e Chapal no passado, evidenciando o paralelo entre o romance fictício de Abhiroop e o real (encenado) de Chapal, que interpreta a si mesmo na atualidade.

Os dramas paralelos avançam lentamente no filme e no filme dentro do filme, entre desgraças açucaradas e denúncias histéricas, reflexões inteligentes e depressões musicadas. Infelizmente, a melhor cena é curta: a encarnação da Deusa da Peste por Chapal. Abhiroop não poderá recriar essa incrível performance do ator, porque populares de Calcutá, acreditando que com ela o travesti atrairá a peste, acionam a polícia. Não apenas nesta cena, mas em todo o docudrama, a homofobia mostra-se, na Índia dominada por tabus milenares, gritante e hipócrita.