MODA E CINEMA

Audrey Hepburn em 'Funny Face'.

Audrey Hepburn em ‘Funny Face’.

Entrevista inédita de Luiz Nazario a Lady Campos para o jornal Hoje em Dia, Caderno Moda, Belo Horizonte, 18 de agosto de 2010, por ocasião da mostra Moda e Cinema.

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Bem, primeiramente, vamos situar esses dois universos: moda, cinema. O que têm em comum? Como começou essa união? Em sua opinião, é um casamento duradouro?

O cinema é, sem dúvida, o maior lançador de modas e de manias. Um filme de sucesso atinge hoje uma massa de centenas de milhões de infelizes, frustrados e doentes, que se identificam por duas horas, na sala escura, com homens e mulheres lindos e perfeitos, feitos de uma carne cintilante, mais resistente e pura que a nossa: deuses e divas cujos estilos adotamos na esperança de que essa imitação traga para nossas vidas um pouco do glamour produzido artificialmente, a altos custos, nos grandes estúdios. Acabei de ver um vídeo impressionante no Youtube, de uma usuária americana que postou sua própria reação emocionalmente descontrolada diante da première do trailer (!!!) de um minuto e meio de Eclipse, da “saga” (o termo mais prostituído do mundo) Crepúsculo… Ela grita e berra, ri e chora, geme como se estivesse tendo um orgasmo, põe-se a falar ininterruptamente como uma metralhadora disparando balas, diz que assistirá ao trailer mais umas 5 mil vezes e fica chocada, realmente chocada, com o novo penteado da estrela: “Os cabelos dela! O que fizerem com os cabelos dela!” – ela não suporta o novo estilo de penteado que impuseram à sua querida starlet Kristen Stewart (Bella). Sabemos que um dos motivos da impopularidade de Orson Welles em Hollywood esteve associado ao fato de que ele mudou o penteado de Rita Hayworth em A dama de Xangai. Depois de aparecer glamorosa com longos cabelos ruivos em Gilda, ela era apresentada naquele filme de cabelos curtos, tingidos de loiro, e ainda por cima num papel de vilã. Isso revoltou os fãs da estrela. Enfim, as relações entre o cinema e a moda não se alterou tanto, apenas as relações dos fãs se tornaram mais exageradas, histéricas e surrealistas, cultuando estrelas que, por seu lado, tornaram-se mais medíocres, reles e descartáveis.

Quais os mecanismos e arranjos da sétima arte para lançar moda? Qual filme foi precursor nesse aspecto?

Atores carismáticos, personagens queridas, grandes estilistas, tela gigantesca, produções bem cuidadas – tudo no cinema, especialmente no cinema hollywoodiano, contribui para o lançamento de um estilo, de uma moda, de uma mania, de um bordão. É impossível determinar quando isso começou, mas foi provavelmente nos primeiros filmes nos quais o público pode identificar um ator e uma atriz como um astro e uma estrela, passando a cultuar suas personalidades. No cinema mudo, sem dúvida Theda Bara e Greta Garbo, assim como Ramon Navarro e Rudolf Valentino, foram lançadores de moda, pois uniram a condição de astro e de estrela à de sex-symbol. Outros grandes nomes do cinema mudo, como Tom Mix, Charles Chaplin, Lilian Gish, Buster Keaton, etc. eram populares e queridos, mas não tinham o sex appeal que parece estar sempre associado à moda.

Divas, símbolos de elegância, mulheres idealizadas. O cinema criou mitos femininos cultuados até hoje. Esse mecanismo funciona até hoje? Por que funcionou no passado?

O cinema do passado possuía muito mais glamour, pois a censura proibia a explicitação do sexo. Os diretores, roteiristas, cenógrafos e figurinistas esforçavam-se então para projetar em torno do astro e da estrela uma aura de glomour que evocava Eros. O sexo era sublimado num gesto de segurar a mão do parceiro para acender um cigarro, numa perna feminina que escorregava para fora numa meia de seda ao se abrir a porta de um automóvel, num beijo cinematográfico no final da trama que simbolizava a própria penetração sexual… Dentro dessa sublimação os detalhes eram muito mais importantes do que hoje, quando tudo é explicitado: as atrizes não mostram mais o tornozelo, mas a vagina, os astros não insinuam mais sua masculinidade com uma pistola carregada, ou um cigarro aceso, mas com seu falo ereto…

Óculos Wayfarer, vestido preto Givenchy, lenços e outros itens se tornaram eternos depois que Audrey Hepburn os exibiu em Bonequinha de Luxo; o mesmo aconteceu com o trench-coat de Humphrey Bogart em Casablanca, Brigitte Bardot com seu biquíni em xadrez vichy em E Deus criou a Mulher. Como isso aconteceu?

Não há mistério: quando atores carismáticos criando personagens queridas projetam na tela gigantesca as criações de grandes estilistas, não há melhor publicidade para esses produtos. Por isso na festa do Oscar as maiores griffes e as joalherias mais exclusivas emprestam seus modelos mais caros e suas jóias mais preciosas para as estrelas usarem, servindo ao glamour dessas estrelas e ao mesmo tempo fazendo propaganda de suas casas e de suas peças, logo depois vendidas para milionárias que desejam nada mais, nada menos, que um vestido idêntico ao usado pela Angelina Jolie, e o próprio colar de safiras e brilhantes que Gwynne Paltrow ostentou por uma noite…

Vivemos na era de mídias aceleradas como a internet. O cinema continua a produzir essa história de conceituar algum tipo de indumentária? Existe filme com categoria para fazer isso?

O cinema não tem mais a exclusividade dessa influência, pois concorre hoje com a TV, com a Internet, até com o celular… As imagens invadiram tudo. Convivemos de manhã à noite com uma infinidade de telas projetando imagens: nos escritórios, nas salas de estar, nas rodoviárias, nos aeroportos, nos bares, nas academias, etc. Então não é mais possível identificar um filme que tenha lançado uma moda… Mas é interessante notar que o cinema lançou a maior de todas as modas, que o release da exposição se esqueceu de mencionar: a calça jeans, através dos faroestes e, sobretudo, de Marlon Brando e James Dean…

Sexy and the city traz alguma contribuição? Carrie Bradshawl e suas amigas ditam moda?

Todo filme que disponha de fãs (a palavra “fã” é uma abreviatura de “fanático”) está, com certeza, ditando alguma moda junto ao seu público fiel. Mas hoje, como disse, são inúmeras as fontes dos modismos. Mais que o cinema, é a música pop que lança moda – mas uma moda sempre pavorosa, grotesca, sinistra. Não existe mais um meanstream saudável. Existem apenas correntes de influências doentias, que partem de várias fontes e se cruzam criando curtos-circuitos, choques elétricos, crashes desastrosos. Surgem então as vítimas da moda, cultuando ídolos como Madonna, Marilyn Mason, Amy Winehouse e Lady Gaga. São clones de quinta categoria, muito mais horripilantes que os originais…

O figurino de cinema atual. Algum destaque? Os espectadores conseguem linkar filmes atuais ao desejo de ter algum figurino ou peça em seu guarda-roupa?

Não presto atenção em peças de figurino quando vou ao cinema, nem acompanho a moda. Assim, não sei dizer se o que se usa hoje na rua foi inspirado em alguma peça vista em filme. É provável que sim, como demonstra a reação das fãs histéricas da “saga” Crepúsculo. A moda dark deve muito aos filmes de vampiro, que recobrem esse mito de um erotismo de butique, criando fantasias sadomasoquistas surradas que muito inspiram as massas, como na série da HBO True Blood. Mas percebo uma maior influência nefasta sendo exercida pela música pop. Desde as danças pornográficas lançadas pelas músicas pornográficas, que exigem roupas pornográficas, nivelando todas as meninas pobres ao nível das putas, até os “trajes” de Amy Winehouse e Lady Gaga, que evocam junkies estupradas na sarjeta e putas futuristas, inspirando o visual supostamente mais sofisticado das adolescentes de classe média.

RELEASE DA EXPOSIÇÃO

Graça Otoni, Ronaldo Fraga, Tereza Santos e Victor Dzenk participam da exposição Moda e Cinema, do BH Shopping. A mostra tem curadoria de Tereza Santos e traz uma pesquisa minuciosa da relação com a sétima arte e a moda. Dos românticos musicais de Hollywood aos episódios bem-humorados de Sexy in the City.

É inegável o quanto o cinema influencia a moda e dita tendências e comportamentos. Por isso, a sétima arte é a fonte de inspiração para a exposição Moda e Cinema, que será realizada pelo BH Shopping entre os dias 19 de agosto de 12 de setembro.

E para mostrar que Minas Gerais também abre espaço para essa perfeita combinação, o mall escolheu quatro consagrados estilistas que se renderam à magia do cinema para criar suas coleções: Graça Otoni, Ronaldo Fraga, Tereza Santos e Victor Dzenk trarão para a exposição peças de coleções criadas por eles inspiradas nesse vasto universo.

Um acervo com cerca de 100 fotos dos desfiles inspirados nos filmes integram a mostra, além de vídeos de desfiles, com informações detalhadas. A exposição trará ainda manequins vestidos com as peças criadas por cada estilista.

Graça Otoni buscou inspiração no filme Casa de Areia, Ronaldo Fraga trouxe para a passarela suas impressões do longa Quem Matou Zuzu Angel? Tereza Santos traduziu em suas peças o francês Le Diable Blond, de Godard.

Já Victor Dzenk pesquisou a fundo a história do Copacabana Palace Hotel, e entre os achados, uma de suas hóspedes, a atriz Marlene Dietrich, com sua androgenia que virou ícone de estilo e beleza. Resultado de uma cuidadosa pesquisa, a mostra Moda e Cinema leva ao visitante um levantamento minucioso e rico sobre a relação entre as duas formas de arte.

Os temas abordados serão: As Roupas Que Fizeram a História no Cinema, Os Estilistas no Cinema, O Mundo Fashion no Cinema, Os 10 Filmes Considerados Mais Fashion, e a forma como Sofia Coppola e Tom Ford, cineasta e estilista respectivamente, que em um dado momento inverteram os papéis fazendo incursões no mundo da moda e cinema, provando mais uma vez a afinidade entre as duas áreas.

A exposição tem a direção do TS Stúdio, da estilista Tereza Santos, especializada em moda para diversos segmentos do mercado, e ainda da Grecodesign. Segundo a gerente de marketing Lívia Paolucci, o visual da mostra será uma atração à parte. “O visitante será surpreendido com o movimento, cor e a riqueza de detalhes da exposição. Esse evento faz parte da campanha de lançamento da coleção Primavera / Verão, do mall, que tem a campanha também inspirada na combinação das duas artes”, afirma.

Sobre os estilistas e suas inspirações

A estilista Graça Otoni levou para as passarelas sua coleção Verão 2011, inspirada no filme brasileiro Casa de Areia, do diretor Andrucha Waddington. Ela afirma que se apaixonou pela beleza da fotografia, pela história e o objetivo foi transportar para um desfile um pouco daquela magia. “Assisti ao filme uma, duas, três vezes e apaixonei-me por tudo na história”, declara. Nas peças, ela abusou de tecidos de fibras naturais, como algodão e linho. Entre as cores mais usadas, o preto aparece contrabalanceando com o branco e tons frios gelo e prata, que evocam nuvens e ondas.

Ronaldo Fraga trouxe em sua coleção de verão 2001/2002 o questionamento do filme Quem matou Zuzu Angel?. As peças têm ares artesanais e remetem à ingenuidade das roupas de anjos de coroação. A delicadeza e alegria das peças são uma homenagem ao legítimo trabalho realizado pela também estilista Zuzu Angel.

Tereza Santos inspirou sua coleção no filme de Godard Le Diable Blond. A tipografia do filme se transformou em estampa gráfica nos tricôs de algodão.  Entre as peças, um casaco de tricô com a trama que forma a frase “The End” faz alusão aos filmes desta época.

Victor Dzenk inspirou sua coleção de inverno 2008 no Copacabana Palace, dos anos 20 aos Rolling Stones. Para contar a história do hotel, o estilista teve acesso aos arquivos, onde pesquisou textos, convites, fotos, vídeos e arquitetura. Entre os achados, um valioso material sobre Marlene Dietrich, hóspede ilustre, que protagonizou um show histórico em 1959. Ele homenageou sua androgenia, além de looks poderosos, compostos por ternos bem cortados em uma época em que calças compridas eram privilégios dos homens.

Roupas que fizeram história no cinema

Marlene Dietrich, de casaca e cartola no filme Marrocos, de 1930, inaugura a androginia na moda.

Numa cena do clássico E o Vento Levou, de 1939, que se passa durante a guerra civil norte-americana, a voluntariosa Scarlett O’Hara (Vivien Leigh) faz um vestido com as cortinas verdes de veludo da sua casa, que ficou na história.

O trench-coat de Humphrey Bogart em Casablanca, em 1942.

O longo preto de Rita Hayworth, como Gilda, no filme de mesmo nome, de 1946.

A jaqueta perfecto divulgada por Marlon Brando em O Selvagem , de 1953, e, depois, por James Dean.

O vestido frente-única com saia plissada de Marilyn Monroe, em O Pecado Mora ao Lado, de 1955, foi copiadíssimo pelas mulheres.

O tomara-que-caia branco bordado de Audrey Hepburn em Sabrina, de 1954.

Brigitte Bardot usou um biquíni em xadrez vichy com babadinhos em  E Deus criou a Mulher, de 1956, causando escândalo, mas ajudando a popularizar o traje.

O célebre tubinho preto de Givenchy eternizou Audrey Hepburn, no filme Bonequinha de Luxo, de 1961, como ícone fashion.

As calças largas, camisas sociais, coletes e gravatas de Diane Keaton, no filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, dirigido por Woody Allen, de 1977, precursor do estilo boyfriend.

O terno branco de John Travolta no papel de Tony Manero, em Os Embalos de Sábado à Noite, de 1977.

O tomara-que caia vermelho vestido por Julia Roberts no filme Uma Linda Mulher, de 1990.

O pretinho de alças cruzadas que Demi Moore usou para sua noite com Robert Redford, em Proposta Indecente, de 1993.

O longo vermelho de Nicole Kidman em Moulin Rouge – Amor em Vermelho, de 2001.

O vestido dourado com profundo decote nas costas usado por Kate Hudson em Como Perder um Homem em 10 Dias, filme de 2003.

O vestido de seda verde de Jacqueline Duran usado por Keira Knightley em Desejo e Reparação, de 2007.

Assinado por Vivienne Westwood, o vestido de noiva que Sarah Jessica Parker, como Carrie Bradshaw, usou no primeiro filme Sexy In The City, em 2008.

Serviço

Mostra Moda e Cinema. De 19/08 a 12/09/2010. Local: Piso NLO – Próximo ao MC Café. Direção de criação: Gustavo Grecco. Curadoria de Moda: Tereza Santos.

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